Bolsonaro deixou super-ricos mais ricos

Destaque, Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Paulo Fridman/Corbis/Getty Images

O patrimônio alocado nos fundos exclusivos, os fundos dos “super-ricos”, vem crescendo nos últimos anos. O montante fechou junho em quase R$ 790 bilhões, uma alta real de 19,8% desde o fim de 2017, segundo levantamento do TC/Economatica feito a pedido do Metrópoles.

Os valores anuais foram corrigidos pela inflação acumulada até junho de 2023.

No fim de 2017, em valores corrigidos, os fundos somavam R$ 656,9 bilhões (em valores originais, sem descontar a inflação, eram R$ 484,6 bilhões). Desde então, o montante saltou para R$ 780,1 bilhões em 2022 e R$ 787,1 bilhões em junho.

Os fundos exclusivos são assim denominados quando têm somente um cotista. Pelos altos custos e potencial de personalização, são usados normalmente por detentores de grandes fortunas e somam menos de 3 mil investidores.

Por ter historicamente uma tributação diferenciada, sem pagamento do chamado “come-cotas”, essa classe de ativos está na mira do Ministério da Fazenda em uma futura reforma da tributação de renda e patrimônio.

Além dos exclusivos, há ainda os “fundos restritos” (que não estão na base analisada), onde há mais de um cotista, mas que têm o mesmo mecanismo e também tendem a ter poucos membros – no geral, são usados conjuntamente por famílias.

“Um fundo é como um condomínio: os cotistas dividem os custos dos prestadores de serviço, como administradores. Para ter um fundo exclusivo, um único cotista tem de arcar com todos os custos”, diz Gustavo Parizzi, diretor da WIT Asset.

“Como o fundo exclusivo costuma ser usado pela alta renda, há um questionamento, até um pouco natural, de por que o rico não está pagando ‘come-cotas’ e o investidor pequeno, sim”, diz Parizzi.

Centro do debate, o come-cotas é uma tributação que antecipa o Imposto de Renda e incide sobre fundos comuns de renda fixa e multimercado (que combina várias classes de ativos). A cobrança ocorre duas vezes ao ano sobre o total investido, reduzindo o valor na prática, independentemente de o investimento ter sido movimentado ou não.

Já nos fundos exclusivos, a cobrança só é feita quando determinado montante investido é movimentado. Em contrapartida, os fundos exclusivos são “fechados”, isto é, a retirada do dinheiro não pode ocorrer a qualquer momento.

“Não é que os fundos exclusivos não pagam nenhum imposto, só pagam no momento do resgate. Mas isso faz com que depois de um ano, dois, três, dez anos, o fundo fechado tenha montante maior do que um comum, sob as mesmas condições”, diz Roberto Justo, sócio do escritório Choaib, Paiva e Justo Advogados.

A campeã de preferência dos “super-ricos” nos fundos exclusivos é a renda fixa, com quase R$ 400 bilhões somados em junho e alta de 34% desde 2017, descontada a inflação. O patrimônio nos fundos de ações nessa modalidade, na outra ponta, caiu 52% no período em valores corrigidos e soma menos de R$ 40 bilhões.

O movimento pode ser explicado, segundo especialistas, porque mesmo os fundos de ações comuns já não pagam come-cotas – o que torna um fundo de ações exclusivo menos atrativo. Há ainda o contexto do mercado, com a alta de juros fazendo cair a atratividade das ações frente à renda fixa. Além disso, pela dinâmica dos fundos exclusivos, que miram preservação de patrimônio, tomar grandes riscos não costuma ser o foco, diz Parizzi, da WIT Asset.

A tentativa de mudar a tributação dos fundos exclusivos já falhou em governos anteriores. No ano passado, ainda na gestão Jair Bolsonaro, o ex-ministro Paulo Guedes chegou a apoiar um projeto que acabaria com a isenção de come-cotas. O texto passou na Câmara, mas travou no Senado.

Desta vez, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem falado em obter R$ 10 bilhões em arrecadação com a tributação dos fundos exclusivos, mas ainda há um debate sobre os “estoques” – o que fazer com a cobrança passada, de montantes que não tributados nos anos anteriores e que afetam os ganhos presentes.

A depender da cobrança decidida sobre os estoques, a receita pode ser maior do que os R$ 10 bilhões estimados, segundo fontes ouvidas pelo Metrópoles. O governo deve enviar um projeto sobre o tema junto ao Orçamento de 2024, em agosto, na volta do recesso parlamentar.

Metrópoles