Brasil voltará a ocupar espaços na África

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Foto: Ricardo Stuckert/PR

Prioridade do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, a política externa engata uma nova fase, em agosto, com destaque para aspectos da agenda Sul-Sul, em que a integração dos países amazônicos e a ampliação do Brics (bloco que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) são as pautas mais urgentes. O presidente vai, ainda, ao arquipélago de São Tomé e Príncipe, para a Cimeira dos países de língua portuguesa, fechando um roteiro que prioriza a África, cuja reaproximação com o Brasil é uma das pedras de toque do atual governo.

Nos dias 8 e 9 de agosto, Lula comandará, em Belém, a Cúpula dos Chefes de Estado dos Países Amazônicos, um bloco de oito nações que têm em comum partes da maior floresta equatorial do planeta em seus territórios nacionais. A África estará representada pelo Quênia, que detém a maior floresta equatorial daquele continente. Outro convidado da cúpula é a Indonésia, pelo mesmo motivo: na Ásia, é o país com a maior extensão de florestas. A troca de experiências entre os amazônicos e outros países que enfrentam, em suas florestas, o desequilíbrio climático e o avanço do desmatamento, é um dos objetivos da reunião de Belém.

No fim do mês, o presidente viaja à África do Sul, para a cúpula do Brics, quando serão avaliados os pedidos de quase duas dezenas de países, que trabalham intensamente para serem aceitos no bloco dos emergentes. O interesse é grande e há uma lista extensa de candidatos fazendo forte lobby, com destaque para os árabes.

Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos são os países que mais estão trabalhando diplomaticamente para serem aceitos no bloco. Em abril, depois da reunião do G7 (grupo dos países mais ricos do mundo), no Japão, Lula passou rapidamente por Abu Dabi, onde se encontrou com o xeique Mohammed bin Zayed Al Nahyan. Na semana passada, o monarca telefonou para o presidente a fim de reforçar o desejo dos Emirados de integrarem formalmente o Brics.

“Teremos a entrada de novos membros. Não sei ainda quais, nem quantos, mas ocorrerá. Está claro que haverá essa expansão. Há muitos candidatos”, disse ao Correio o assessor especial para política externa da Presidência, Celso Amorim. Argentina, Bangladesh, Egito, Etiópia, Irã e Indonésia integram a lista daqueles com mais chances de serem aceitos no bloco dos emergentes.

A reunião de cúpula do Brics atrai a atenção da comunidade global, principalmente porque um de seus sócios, a Rússia, invadiu a Ucrânia no ano passado, provocando o primeiro conflito armado entre nações europeias desde a Segunda Guerra Mundial. Mesmo com salvaguardas dadas pelo governo da África do Sul, o presidente Vladimir Putin não deve participar presencialmente da cúpula, porque tem contra ele um mandado de prisão expedido pelo Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra. A expectativa é de que participe por videoconferência e envie como representante o ministro das Relações Exteriores, Sergey Lavrov.

“Essa é a oportunidade de alguns chefes de Estado conversarem com Putin. É um tema importante para ouvir dele diretamente. Será uma oportunidade para ver se há flexibilidade ou não, quais são as condições. Creio que esse assunto será levantado com Putin e que seja uma porta para um diálogo mais amplo sobre a paz”, disse Amorim.

“Espera-se que os líderes do bloco evitem tratar abertamente dessa questão (a invasão da Ucrânia pela Rússia) em público, limitando-se, possivelmente, a um manifesto em prol da paz internacional”, opina o consultor em relações internacionais Wagner Parente. Ele ressalta que, após a eleição de Lula, o Brics reassumiu relevância geopolítica.

“Atualmente, a China exerce um papel dominante tanto em termos econômicos quanto políticos, enquanto a Índia também acumula uma influência significativa. Nesse contexto, o Brasil deve buscar equilibrar suas intenções e capacidade de atuação dentro do bloco”, diz o especialista, que aponta como simbólica a nomeação da ex-presidente Dilma Rousseff para a presidência rotativa do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês) — o Banco do Brics.

“Na reunião, espera-se que as principais pautas incluam a expansão dos países membros do Brics, uma questão que, historicamente, gerou hesitação por parte do Brasil, mas que, agora, parece ser considerada com uma visão mais positiva”, disse Parente. Para ele, o aumento do número de países-membros é um objetivo de longo prazo da política da China, que visa ampliar a influência sobre nações mais pobres, em desenvolvimento, e que estão à margem do domínio americano.

Há ainda a intenção de Lula em discutir a redução da dependência do dólar como moeda internacional, medida vista com ressalvas. “A criação de uma nova moeda para o Brics está sendo analisada, o que é impulsionado pelo interesse da economia chinesa em internacionalizar cada vez mais seu yuan. No entanto, líderes brasileiros e indianos expressam ressalvas quanto a essa proposta, pois implicaria sair da atual hegemonia do dólar para outra liderança, o que gera questionamentos e debates”, completa Parente.

Mariana Cofferri, analista de relações internacionais, porém, faz uma ressalva: “Ao mesmo tempo em que o yuan tem sido uma moeda alternativa ao dólar, que ampliou a reserva internacional brasileira, também aumenta o poder econômico chinês”. Para ela, “como se observou durante o período da pandemia”, depender da circulação financeira e da economia chinesa “pode ter impactos negativos em todo o mundo, mesmo que a China já seja o maior parceiro comercial brasileiro”. Por isso, ela recomenda ao governo “manter uma cadeia de investimentos internacionais diversificada, a fim de minimizar a flutuação cambial e os riscos inerentes ao mercado”.

Correio Braziliense