Centrão diminui mulheres em ministérios

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Foto: Ricardo Stuckert

A recente aproximação entre governo e Centrão criou um dilema para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Após seis meses e meio de mandato, o petista precisa decidir se acelera a entrada do bloco na base aliada, acolhendo as demandas que lhe foram apresentadas, ou permanece irredutível na preservação da presença feminina na Esplanada dos Ministérios. A situação exige uma reflexão sobre o bônus de ter mais apoio na Câmara dos Deputados para a agenda legislativa do Executivo e o potencial ônus de fragilizar uma bandeira cara ao PT, e que neste caso converge com as melhores práticas de governança. Perseguir o equilíbrio de gênero, a diversidade e a inclusão no local de trabalho deve ser prioridade de qualquer empresa. E, claro, do Estado. Especialistas são unânimes em dizer que uma mistura de habilidades, competências, pontos de vista, experiências e origens tem tudo para melhorar a eficiência – e a eficácia – dos serviços prestados à população. Ainda durante a campanha, em uma interação num debate com a então adversária Simone Tebet (MDB), hoje ministra do Planejamento e Orçamento, Lula esquivou-se do compromisso de colocar metade dos ministérios sob a liderança de mulheres. Disse ser “plenamente possível” alcançar tal meta, mas evitou cravar um número. Eleito, fez uma correção de rota das práticas adotadas na administração Jair Bolsonaro (PL). Trabalhou para sancionar a lei de igualdade salarial e critérios remuneratórios entre mulheres e homens. Quando subiu a rampa do Palácio do Planalto no dia 1º de janeiro, levou consigo o simbolismo da diversidade da população, deixando-se ombrear por representantes do povo. Compôs uma imagem que ficou para a história das posses presidenciais. E ao adentrar o salão principal do palácio, sacramentou a nomeação de 11 mulheres para o primeiro escalão – aproximadamente 30% das 37 pastas. Número recorde na história da República. Em paralelo, escolheu duas mulheres para as presidências do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal. Mas tudo isso contrasta com a fotografia tirada na sexta-feira na parte externa do Palácio da Alvorada, após a reunião na qual encaminhou um acordo para que o Centrão, enfim, passe a fazer parte da base governista. Dos 20 participantes do encontro de Lula com ministros e parlamentares, apenas duas mulheres apareceram no retrato. São elas as deputadas Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e Tabata Amaral (PSB-SP). Do simbólico à vida real, a aproximação entre governo e o Centrão já fez a sua primeira vítima: a ministra do Turismo, Daniela Carneiro, será em breve sucedida pelo deputado Celso Sabino (PA), em um movimento pensado para aplacar as insatisfações da bancada do União Brasil. Ela está de mudança para o Republicanos, que inclusive pode assumir o Ministério do Esporte. Neste caso, a plaquinha de substituição subiria com o nome de Ana Moser: o deputado Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) é cotado para entrar no jogo em seu lugar. A ministra não tem respaldo de partido algum, o que a enfraquece no cargo. Porém, fontes ponderam que a reação nas redes sociais pela sua permanência não deveria ser desprezada pelo Planalto. Lula, por outro lado, neutralizou o ataque especulativo do Centrão contra a ministra da Saúde, Nísia Trindade. Acabou tendo que aceitar a recriação da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) para abrigar indicações políticas, é verdade, mas preservou a auxiliar. Outra baixa feminina pode ser a presidente da Caixa Econômica Federal, Rita Serrano. Até mesmo parlamentares do PT reclamam de sua gestão, considerada muito fechada ao meio político. Além disso, no mês passado, a decisão da Caixa de cobrar taxas no Pix de pessoas jurídicas inflamou a oposição e irritou o presidente. Para o seu lugar, é citado o nome do ex-ministro Gilberto Occhi, ligado ao PP. Nesse contexto, a exceção é o Ministério do Desenvolvimento Social, comandado por Wellington Dias. Justamente por isso chamou atenção, dentro do governo, o fato de a primeira-dama, Janja da Silva, ter se dirigido à sede da pasta na semana passada para fazer um gesto público em desagravo ao petista, um quadro histórico e maior liderança do partido no Piauí. Foi às redes sociais e o defendeu. Apenas ele. Esse, contudo, é apenas um aspecto do desafio do Brasil para mitigar os desequilíbrios no serviço público. Segundo dados de maio do próprio governo, apenas 40,9% dos cargos de confiança são ocupados por mulheres. Desse grupo, 62,04% são mulheres brancas. Depois vêm as mulheres pardas (29,13%), pretas (6,33%), amarelas (1,95%) e indígenas (0,36%). Sob a ótica da remuneração, a desigualdade também é gritante. Entre os servidores ativos que recebem mais de R$ 36 mil por mês, os homens são 1,11% do total do funcionalismo e as mulheres respondem por 0,48%. Elas também são minoria nas demais faixas. A exceção se dá apenas entre as pessoas que recebem de R$ 3 mil a R$ 6 mil, a segunda mais baixa do serviço federal. A redução das desigualdades na pirâmide do funcionalismo é uma luta para vários governos. Já o perfil do primeiro escalão no curto prazo depende somente de Lula.

Valor Econômico