Governador bolsonarista elabora plano para cracolândia

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Foto: Reprodução

Até quando o centro de São Paulo terá uma parte de seu território controlada por dependentes de crack e por traficantes que os abastecem? É um problema insolúvel de grandes metrópoles? Ou é resultado de anos e anos de ações incorretas e desencontradas? Quando chegou ao governo do Estado, em janeiro, Tarcísio de Freitas assumiu responsabilidade de endereçar saídas para um amplo leque de problemas. E esse é um dos mais dramáticos deles. Usuários de crack se aglomeram em muitos pontos da capital e do Estado. E, claro, esse está de longe de ser um desafio que afeta apenas os paulistas. Mas é nas ruas e praças localizadas do centro da capital, entre os bairros da Luz e de Santa Efigênia, onde há cerca de três décadas resiste a que talvez seja a mais emblemática e degradante cracolândia do país. Nessa faixa da cidade, usuários se juntam, às dezenas e às centenas, em condições miseráveis de saúde e transformam trechos de ruas e praças em zonas livres de consumo de crack. Essas aglomerações (ou “fluxos” ou “cenas abertas de consumo”) vagam entre esses dois bairros, deixando sujeira e um ambiente de roubos e furtos. Ao longo dos anos, todas as tentativas de lidar com o problema falharam. Hoje, segundo dados da prefeitura, cerca de 1.300 pessoas estão espalhadas pelo centro da cidade comprando e consumindo crack ou o aniquilador k-9. À vista de todos, de dia e de noite. Até quando? Não há ainda uma resposta clara para essa pergunta na nova gestão estadual. Tarcísio escalou um cientista político e professor da Universidade de São Paulo (USP) para coordenar um núcleo que é responsável por construir o desenho das ações na cracolândia – conforme os objetivos do governo. João Henrique Martins é um estudioso dos mercados ilegais. Foi do setor de inteligência da Polícia Militar e representou a Fiesp por dois anos nas reuniões em Paris da OCDE sobre esse tema de economia ilícita. É ele quem coordena do Centro Integrado de Comando e Controle (CICC), da Secretaria de Segurança Pública do Estado. O objetivo número 1 do governo para a cracolândia, diz Martins, é a redução do número de adictos nas ruas e o aumento do número daqueles que aderem a tratamento. Essa mudança viria – segundo o cenário das autoridades – associada ao contínuo cerco a traficantes e à redução de crimes. É um plano em construção. “A gente precisa de uma solução estrutural neste mandato”, diz Martins. Para ele, não foi por ausência de políticas de governos anteriores que a cracolândia resistiu por três décadas. “O que a gente percebeu é que havia políticas no município e no Estado e, às vezes, mais de uma política na mesma esfera de governo”, diz ele. “Agora, quando qualquer área da prefeitura, qualquer área do Estado vai tomar alguma medida em relação a secretaria isso tem que estar nesta mesa, conveniado com os outros atores até para não ter sobreposição ou até para não atrapalhar.” Integrantes de secretarias estaduais e municipais têm se reunido regularmente para tratar do tema no CICC. Nestes primeiros meses, o governo contabiliza o que considera ser avanços. Uma nova estrutura para encaminhar dependentes em busca de ajuda para tratamentos ou para o serviço social; a redução de ruas ocupadas por usuários no centro de três para uma; e a redução de crimes. Depois de 22 meses de alta, roubos e furtos (de celulares, de fios de cobre) nessa região caíram em abril e em maio. A expectativa na PM é que a queda tenha se repetido em junho. Uma novidade é a atuação em parceria com a Segurança de pesquisadores da área de análise de dados e de segurança da Fundação Getulio Vargas (FGV) e da USP. A atuação do grupo nomeado de FGV Analytics tem apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e está em fase inicial. Martins diz que uma das áreas que os pesquisadores ajudarão será na definição de uma estratégia de captação de informações a partir de imagens de câmeras fixas ou de drones das cenas de consumo, de modo a ajudar as várias ações do Estado. Outra contribuição deverá ser a construção de um modelo, com base no que se espera fazer no centro, que possa ser replicado pelo Estado e em outros Estados. Nas discussões no CICC, um ponto é visto como chave: não mais permitir grandes aglomerações de usuários. O limite, para que assistentes sociais, profissionais de saúde e policiais atuem, seria de cerca de 30 dependentes por grupo. Como essa limitação será imposta; como a rua reagirá; quanto mais dispersão de dependentes haverá são questões ainda em aberto. Psiquiatra, com experiência de 40 anos em estudos sobre dependência, Dartil Xavier da Silveira, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), defende uma estratégia conhecida no Canadá, em alguns Estados dos EUA, na França, entre outros países. Espaços para consumo de crack supervisionados por médicos, algo que, diz Xavier, tem efeitos terapêuticos melhores do que internações. É uma abordagem nunca testada no Brasil e rejeitada por São Paulo. A cracolândia é uma das prioridades de Tarcísio na área de segurança. Se conseguir mudar a realidade que vem desde o início dos anos 90, será um feito. Se falhar, o narcotráfico, mais uma vez, será o vencedor.

Valor Econômico