Lula prepara ‘afago’ para bancadas do Boi e da Bala
Foto: Ricardo Stuckert/PR
Enquanto o Palácio do Planalto negocia a entrada no governo de PP e Republicanos, dois partidos do Centrão, uma ala do Executivo também se movimenta para desengavetar projetos de interesse de outras forças políticas que caminham longe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No segundo semestre, a ideia é limpar parte da pauta que travou no Senado e contemplar até mesmo propostas criticadas pela esquerda. Alguma delas atendem às bancadas ruralista e da bala.
As iniciativas não são unânimes na Esplanada, mas já contam com o “ok” de parte dos auxiliares próximos a Lula. São propostas como a que facilita o registro de agrotóxicos no Brasil, bem como a lei orgânica da Polícia Militar. Os temas interessam a adversários do PT nas últimas eleições, como a bancada da bala e a ruralista, fortemente identificadas com o bolsonarismo. As duas frentes ainda mantêm grande influência sobre partidos do Centrão e, diante do novo equilíbrio de forças que se desenha no Congresso, são importantes para garantir a governabilidade.
A lei orgânica da PM, que pretende criar normas gerais para as corporações, é a iniciativa que hoje tem mais consenso dentro do governo. O ministro da Justiça, Flávio Dino, disse a auxiliares que tem como meta fazer com que o texto seja sancionado por Lula ainda em 2023. Apesar disso, os ministérios das Mulheres e do Meio Ambiente veem com preocupação alguns trechos, como possíveis limitadores para o ingresso de mulheres nos quadros da corporação e retirada de competências do Ibama. O governo deseja aprovar a iniciativa no Senado e evitar mudanças.
— Precisa avançar, não queremos ficar responsáveis por esse projeto ter que voltar para a Câmara (onde começou a tramitar). O governo vai ter seu momento para se posicionar, que é através do veto — disse o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Elias Vaz, sobre a possibilidade de suprimir alguns trechos da lei.
A proposta começou a avançar no ano passado na Câmara e inicialmente retirava poder dos governadores sobre as corporações. Diante da resistência, o trecho foi suprimido pelo então relator Capitão Augusto (PL-SP). Dar apoio ao texto é uma maneira de o governo se aproximar das forças de segurança, uma das bases do bolsonarismo.
— A gente vem de um movimento de retomada do diálogo com as forças de segurança, que é bem fértil. Temos que dialogar com os comandantes-gerais, como fizemos segunda-feira, recebemos aqui (no Ministério da Justiça) — disse o secretário nacional de Segurança Pública, Tadeu Alencar.
O texto da lei orgânica foi aprovado pela Comissão de Segurança Pública em julho, com o parecer favorável do líder do PT no Senado, Fabiano Contarato (ES), que fez carreira como delegado da polícia civil. A redação foi encaminhada então para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), e a expectativa é que seja aprovada pelo plenário da Casa. Em seguida, o texto será levado à sanção.
Também está na mira do Palácio do Planalto fortalecer o programa Habite Seguro, linha de financiamento de imóveis voltada para agentes de segurança criada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. O programa é viabilizado pelo Fundo Nacional de Segurança Pública, que é responsabilidade do Ministério da Justiça. Auxiliares de Dino confirmam a intenção de ampliar a iniciativa, mas não há data prevista para a ideia ser anunciada.
A aproximação acontece ao mesmo tempo em que Lula edita decretos para restringir o acesso às armas de fogo. O movimento provocou insatisfação na bancada da bala, que já se movimenta para derrubar a ordenação jurídica elaborada pelo governo federal.
Em relação ao projeto que facilita o registro de agrotóxicos há um ambiente mais dividido. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, já disse ser a favor. Ambientalistas chamam o texto de “PL do Veneno”. Os ministros Marina Silva (Meio Ambiente) e Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) resistem a flexibilizar o uso dos pesticidas.
Nas negociações, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), tem mantido conversas com Fávaro para levar o projeto ao plenário. O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), também tem participado de algumas reuniões da bancada ruralista e não tem sido um obstáculo.
Aliados do senador petista avaliam que a tendência é não se posicionar contra a votação do texto. Para Paulo Teixeira, porém, é preciso “banir alguns agrotóxicos”. Ele reconhece que o assunto não foi pacificado.
Em maio, Carlos Fávaro tentou baixar a tensão e se equilibrar entre as visões do governo. Após uma reunião com Pacheco, afirmou que todos no Planalto estão “na mesma pauta”:
— Vamos olhar os pontos, o que não é convergente e o que é possível ajustar e fazer uma análise técnica muito rigorosa. Ninguém é a favor de produtos cancerígenos.
Em fevereiro do ano passado, antes do período eleitoral, Marina Silva já classificava a proposta como um “ataque à saúde pública, ao meio ambiente e ao funcionamento das instituições”.
O cenário é diferente do planejado para o projeto de lei da regularização fundiária, batizado pelos críticos como “PL da Grilagem”, que terá forte oposição do governo caso avance no Senado.