Moribundo e preso em casa, Jefferson comprou armas
Foto: Reprodução
Roberto Jefferson comprou uma carabina, uma pistola e pelo menos 150 cartuchos enquanto estava preso por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), mostram notas fiscais e documentos emitidos pelo Exército obtidos pelo GLOBO. A arma curta — um modelo Force Plus calibre 9mm, da fabricante italiana Tanfoglio — foi adquirida no nome de Jefferson numa loja de Brasília em 22 de dezembro de 2021, quando o ex-deputado ainda ocupava uma cela do Complexo de Gericinó. Já a carabina Smith & Wesson calibre 5.56, usada posteriormente por Jefferson para atirar em policiais federais, foi registrada junto à 11ª Região Militar (Brasília) no período em que ele estava em prisão domiciliar. Apesar de a lei brasileira vetar a posse e compra de armas a investigados ou réus em ações penais, o Exército avalizou a aquisição do arsenal.
Falhas, omissões e possíveis crimes cometidos por militares que deveriam atuar para impedir as compras de armas por Jefferson são objeto de um Inquérito Policial Militar (IPM) aberto pelo Exército em maio passado após requisição do Ministério Público Militar. Num ofício encaminhado ao comando da 11ª Região Militar em maio passado, a promotora Caroline Piloni alega que “é necessário apurar eventuais responsabilidades criminais quanto à manutenção ou ao deferimento para aquisição, por parte de Roberto Jefferson, de novos Produtos Controlados pelo Exército no período em que ele já era investigado em inquérito criminal, e depois, réu em ação penal”. Piloni também determinou que o oficial responsável pelo IPM não tenha servido, a partir de 2021, no Serviço de Fiscalização de Produtos Controlados — setor que está no centro da investigação.
As duas armas compradas por Jefferson enquanto estava preso só foram apreendidas em 23 de outubro do ano passado, após o político ter atirado 60 vezes com a carabina 5.56 na direção de policiais federais. Os agentes foram à sua casa, em Comendador Levy Gasparian, no interior do Rio, para cumprir uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, que havia determinado o retorno do ex-deputado a um presídio.
A carabina 5.56 — registrada em nome de Jefferson no Exército em 4 de julho de 2022, apenas três meses antes do ataque — foi entregue à PF por Kelmon Luís da Silva Souza, o Padre Kelmon, seu aliado, depois dos disparos. Já a pistola 9mm, comprada por R$ 14,4 mil em nome de Jefferson quando ele ainda estava preso preventivamente no Complexo de Gericinó, foi encontrada, sem seu cano, dentro de uma maleta após buscas na residência. Junto à arma foi apreendido seu certificado de registro no Exército, de 10 de maio de 2022.
Também foi achada pelos agentes uma guia de tráfego emitida pela força em nome de Jefferson datada de 27 de julho de 2022, que autorizava o transporte da pistola da loja Guns Sport, em Brasília, para um endereço do ex-deputado na capital. Um detalhe curioso é que, ao MPM, a 11ª Região Militar alegou que não expediu guias de tráfego em nome de Jefferson depois 23 de agosto de 2021, quando Moraes determinou a suspensão dos portes de trânsito — ou seja, na época a pistola foi retirada da loja, o político não poderia se deslocar com seu acervo. Até hoje, não se sabe como ele conseguiu levar o armamento para o interior do Rio.
Outras duas notas fiscais em nome de Jefferson achadas na casa mostram que, em apenas um dia de agosto daquele ano, ele comprou 150 cartuchos 9mm por R$ 2 mil na Guns Sport. Ao todo, policiais encontraram 8.182 cartuchos de diferentes calibres no local. Atualmente, Jefferson responde na Justiça Federal por quatro tentativas de homicídio contra os policiais e também pela posse ilegal do armamento — a casa de Levy Gasparian não constava no Exército como o endereço de seu acervo.
No dia seguinte ao ataque, o Exército suspendeu o certificado de CAC de Jefferson. Além de buscar identificar militares que autorizaram as compras das armas, o IPM em curso também tem como objetivo apurar as razões da demora de mais de um ano da 11ª Região Militar em tomar providências para cassar o registro do ex-deputado, já que ele havia se tornado réu no STF sob acusação de incitação ao crime, ameaça às instituições e homofobia em agosto de 2021.
Segundo a promotora Caroline Piloni, o Exército “teria se quedado inerte, ao não adotar medidas para suspender ou cancelar seu Certificado de Registro e notificá-lo quanto à necessidade de se desfazer de seu acervo, o que poderia evitar o fato ocorrido em 23 de outubro” — ou seja, os ataques aos policiais federais. O Estatuto do Desarmamento, de 2003, prevê como condição para a aquisição de armas a comprovação da idoneidade: o interessado deve apresentar ao Exército certidões negativas de antecedentes criminais e não pode ser réu em processo criminal ou sequer investigado em inquéritos policiais.
Enterro, salão de beleza e churrasco com deputados: os passos de Bolsonaro no dia da condenação
Desde 2019, decretos que regulamentam o estatuto ainda preveem que devem ser “cassadas as autorizações de posse de arma de fogo do titular que esteja respondendo a inquérito ou a processo criminal por crime doloso”. Quando Jefferson tornou-se réu no STF, o Exército não abriu procedimento administrativo para apurar se ele havia deixado de atender o requisito da idoneidade. Além da carabina e da pistola, Jefferson tem outras 14 armas em seu nome no banco de dados do Exército.
As primeiras suspeitas de irregularidades na fiscalização de militares a Jefferson têm mais de uma década. Em 2012, o então deputado — que é CAC certificado pelo Exército desde julho de 2005 — foi cassado e condenado pelo STF a 7 anos e 14 dias de prisão por participação no esquema do Mensalão. Na ocasião, o Exército não agiu para cancelar seu registro de CAC. Pelo contrário: de 2005 a 2021, o certificado do político foi revalidado seis vezes seguidas — cinco delas pela 1ª Região Militar (Rio de Janeiro) e a mais recente, de maio de 2021, pela 11ª Região Militar, para onde ele mudou o local de guarda de acervo.
Questionado sobre o motivo da demora para suspender o registro de CAC de Jefferson, o Exército informou que o fato está sendo apurado no IPM. Já a defesa do ex-deputado afirmou, em nota, que “as armas e registros de Jefferson sempre estiveram em situação regular”. Acrescentou que Jefferson “tem interesse em doar suas armas e munições” e que eles “aguardam designação de data e hora para entrega do armamento ao Exército”.