Múcio se equilibra entre direita e esquerda para entregar sossego

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Foto: Gabriel de Paiva

Escalado para liderar a pasta que tem o maior potencial de fricção com o Palácio do Planalto, o ministro da Defesa, José Mucio, vem atuando para construir pontes que liguem a caserna ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, enquanto se equilibra entre divergências que por vezes separam as três Forças dos interesse de integrantes do primeiro escalão do Executivo. O mais recente episódio de bola dividida tem relação com o decreto que restringe o acesso de civis a armas e munições, assinado pelo petista na semana passada. O ministro articulou uma solução que não esvaziasse o cerne do texto, mantendo a proibição da compra de pistolas de uso restrito, mas sem a retirada de circulação das armas que já estão em poder da população, o que atende ao pleito de parte dos militares.

O mesmo decreto, contudo, transferiu a fiscalização de armamentos de civis, atribuição que era do Exército, para a Polícia Federal, sob o guarda-chuva do Ministério da Justiça, comandado por Flávio Dino, com quem Mucio já protagonizou disputas. A mudança será sacramentada em breve por meio de um convênio entre as pastas.

Ao ser convidado para o posto no fim do ano passado, Mucio recebeu de Lula a missão de dissipar as resistências das Forças Armadas ao nome do petista. Na reunião ministerial realizada no dia 15 de junho, o titular da Defesa deu provas de que entende que seu papel principal, antes de mais nada, é evitar crises. Perguntado sobre que como andavam as coisas em sua ministério, Mucio foi sucinto:

— Sem novidades.

O presidente, então, quis saber quais eram os planos do seu auxiliar para os próximos seis meses.

— Que tudo continue assim — respondeu, na mais rápida intervenção entre os 37 ministros presentes na reunião.

O período mais espinhoso para Mucio em pouco mais de seis meses no cargo se deu logo após os ataques do dia 8 de janeiro, auge das tensões entre Planalto e os militares, que culminaram com a queda da cúpula do Exército. O então comandante, o general Júlio César de Arruda, foi demitido porque não contava com a confiança do presidente da República.

As tensões surgiram logo no início do governo. Em janeiro, ele disse publicamente que acreditava que os acampamentos bolsonaristas montados em frente a quartéis iriam se dissipar naturalmente e os classificou como “democráticos”. A frase irritou colegas de governo, sobretudo Dino.

Passados os ataques de janeiro, a relação entre Planalto e caserna se harmonizou. Nem por isso, contudo, o trabalho de pacificador do ministro da Defesa perdeu tração. Conhecido pelo temperamento ameno e a capacidade de articulação, Mucio com frequência precisa atuar com cautela e diplomacia para que promessas de campanha de Lula incômodas aos militares sejam implantadas sem a deflagração de crises.

Infográfico detalha investimentos do Ministério da Defesa — Foto: Editoria de Arte

Um desses casos aconteceu neste mês, quando o Ministério da Educação anunciou a extinção das escola cívico-militar. O programa mobiliza pessoal das Forças Armadas, já que há militares lotados nas unidades educacionais. A decisão desagradou principalmente membros da reserva. O programa era executado em parceria entre o MEC e o Ministério da Defesa. Mucio, no entanto, não assina o decreto que pôs fim à modalidade.

No caso do decreto de restrição de armas, apresentado na última sexta-feira, o Exército era contra a proibição da venda das pistolas 9 mm e ponto 40. Esse tipo de armamento sempre foi de uso restrito das forças de segurança e das Forças Armadas, mas no governo Jair Bolsonaro houve liberação para civis.

Os militares foram consultados. Segundo integrantes do Ministério da Justiça, foi construída uma solução “mediada”, por meio da qual não obrigou brasileiros que já possuem pistolas a se desfazerem delas. Os donos desses armamentos também poderão continuar comprando munição, o que interessa à indústria de armas, com quem os militares estavam alinhados.

Ainda dentro dos debates para cumprir a promessa de apertar a restrição de armas, foi acertado que a Polícia Federal assumirá funções de controle que hoje estão sob responsabilidade do Exército, com a fiscalização dos CACs (caçadores, atiradores e colecionadores). Aos militares, restará o controle da produção dos equipamentos e das vendas para o exterior.

Embora tenha conseguido costurar saídas salomônicas em assuntos delicados, José Mucio em algumas ocasiões capitaneou investidas que tendem a incomodar os militares mais corporativistas. O ministro é o principal entusiasta de um projeto que tem por objetivo proibir o ingresso dos fardados na política. O texto obriga militares a pedirem baixa de suas corporações se quiserem disputar eleições ou ocupar postos de primeiro escalão, como ministérios.

Por enquanto, a avaliação na cúpula do Exército é que as medidas implantadas pelo governo Lula já eram esperadas e não geraram grande descontentamento dentro da caserna, a não ser para a ala mais vinculada ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

Ex-ministro da Defesa, Raul Jungmann avalia que Mucio tem conseguido manter o bom ambiente entre caserna e o governo, missão que costuma caber a todos os titulares da pasta desde a gestão Fernando Henrique Cardoso, quando ela foi criada:

Sem sombras de dúvida, há resistências. O governo não é um bloco monolítico, tem suas tribos. Mas acho que o Mucio tem conseguido entregar o que o governo mais precisa: tranquilidade e condições de governança.

O professor da UFRJ Carlos Fico, estudioso da caserna, afirma que a posição do ministro da Defesa é difícil e que a própria criação da pasta foi retardada ao longo dos anos.

— Demorou muito por resistência dos militares. Em várias situações, em vários casos, os ministros tiveram dificuldade por serem relativamente frágeis politicamente diante da Forças Armadas. É uma história de muitas dificuldades — disse.

Fico afirma, porém, que a nomeação de um civil para o posto durante o governo Lula foi importante. O cargo vinha sendo ocupado por militares desde o último ano do governo Michel Temer, em 2018.

— É tradicionalmente uma área muito problemática no Brasil. A tradição de intervencionismo militar torna essa posição muito complicada.

O Globo