Novíssimo juiz da Lava Jato era adorador de Moro
Foto: Reprodução/Youtube/Memória da Justiça Federal do Paraná
Novo juiz da Lava Jato em Curitiba, Fábio Nunes de Martino tem suas próximas decisões sobre os processos de desvios de recursos na Petrobras aguardadas como “testes de fogo” por procuradores e advogados de réus.
A 13ª Vara Federal foi chacoalhada nos últimos meses com o afastamento do juiz titular, a remoção da então juíza substituta e uma correição extraordinária –uma espécie de auditoria– promovida pela Corregedoria do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Natural do Rio de Janeiro, Martino, 46, atuava na 1ª Vara Federal de Ponta Grossa (PR) antes de assumir os processos remanescentes da Operação Lava Jato, em 19 de junho.
Desde então, o magistrado preferiu não dar entrevistas à imprensa. No meio jurídico, é citado como discreto e técnico, mas tem na sua trajetória um endosso a uma moção de apoio ao ex-juiz federal Sergio Moro, em junho de 2019.
Naquele ano, Moro já era ministro da Justiça de Jair Bolsonaro (PL) quando o site The Intercept Brasil começou a revelar mensagens, publicadas também pela Folha, trocadas entre o então juiz e membros do MPF (Ministério Público Federal) no auge da Lava Jato.
Em reação ao escândalo, 271 juízes federais, incluindo Martino, assinaram uma carta pública na qual diziam que o conteúdo das mensagens hackeadas “não ofende o princípio da imparcialidade que rege a conduta de um magistrado” e mostra apenas um “diálogo interinstitucional republicano rotineiro em todos os fóruns do país”.
No documento, houve uma defesa veemente de Moro e da Lava Jato. “Não admitimos que a excelência desse hercúleo trabalho, verdadeiro ponto de inflexão no combate à corrupção e crimes cometidos por poderosos, seja aviltada por mensagens inócuas e criminosamente obtidas”, diz trecho.
Na graduação em direito, em 2000, pela Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), Martino foi orientado por Simone Schreiber, juíza federal do TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região) e relatora dos processos da Lava Jato no tribunal do Rio de Janeiro desde 2021.
Apontada como “juíza garantista”, Schreiber circula na lista de cotadas para suceder a ministra do STF (Supremo Tribunal Federal) Rosa Weber, que se aposenta em outubro.
No currículo disponível na plataforma Lattes, Martino também informa sobre um mestrado em andamento na USP (Universidade de São Paulo), em direito processual, sob a orientação de Maria Thereza Rocha de Assis Moura, hoje presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e considerada de perfil técnico no meio jurídico.
Até a semana passada, Martino já havia conduzido ao menos duas audiências para interrogar réus, mas ainda não assinou decisões de peso nem sentenças. Entre os “testes de fogo” aguardados para os próximos dias estão pedidos para desbloqueio de grandes quantias de dinheiro de réus.
Martino também deve se debruçar em breve sobre outro caso considerado relevante para o rumo da operação, que é uma petição apresentada pela defesa de Alberto Youssef para obter todas as investigações já feitas em relação ao caso do aparelho de escuta ambiental encontrado em 2014 na carceragem da PF em Curitiba, onde o doleiro estava preso.
A defesa de Youssef apresentou a petição em abril, e o então juiz titular Eduardo Appio já determinou que a PF forneça as investigações sobre o grampo ilegal. Parte do material, contudo, ainda não foi disponibilizado à defesa, que tem cobrado o acesso. Além disso, o MPF contestou as decisões de Appio no caso. O imbróglio agora está nas mãos do novo magistrado.
O objetivo da defesa de Youssef é encontrar provas e situações do passado que possam ter interferido no acordo de colaboração premiada firmado entre o doleiro e o MPF. Youssef foi o principal alvo da etapa inicial da Lava Jato, em 2014. Meses depois, firmou um dos primeiros acordos de colaboração da operação, no qual acusou políticos e empreiteiras. Eventual quebra do acordo pode ter desdobramentos para toda a investigação.
Martino não deve atuar, contudo, em alguns casos que geraram polêmicas nos últimos meses, quando a 13ª Vara ficou nas mãos de Eduardo Appio: os processos do advogado Rodrigo Tacla Duran e do empresário e ex-deputado estadual Tony Garcia, que foram suspensos por decisão do STF e não devem mais ser movimentados em Curitiba. Eles fazem acusações contra ex-autoridades da Lava Jato, como Moro e o ex-procurador Deltan Dallagnol, que recentemente teve cassado o mandato de deputado federal.
Inicialmente, Martino foi designado para atuar na 13ª Vara Federal de Curitiba entre 19 de junho e 15 de julho. Mas o prazo vai ser estendido, a cada mês, até o desfecho do procedimento preliminar que tramita na Corregedoria do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) contra Appio.
Além disso, o procedimento preliminar pode se transformar em processo disciplinar, o que deixa improvável o retorno dele à cadeira, na visão do meio jurídico.
O afastamento temporário, por decisão da corte especial administrativa do TRF-4, ocorreu em 22 de maio, após a Corregedoria do tribunal revelar que Appio teria feito uma ligação para o advogado João Eduardo Barreto Malucelli fingindo ser outra pessoa, e aparentemente tentando comprovar que falava com o filho do juiz federal Marcelo Malucelli, então relator da Lava Jato em segunda instância.
João Eduardo é sócio de Moro em um escritório de advocacia e, naquela época, Marcelo Malucelli e Appio tinham decisões judiciais conflitantes sobre o réu Tacla Duran.
Um laudo da Polícia Federal aponta que o áudio do telefonema, feito em 13 de abril, “corrobora fortemente a hipótese” de que se trata da voz de Appio. Mas a defesa do juiz afastado vem negando a autoria.
Appio contratou duas frentes de defesa, uma no CNJ, capitaneada pelo advogado Pedro Serrano, e outra no âmbito do TRF-4, com o advogado Alexandre Wunderlich.