
PL tem rotina de barracos públicos
Foto: O Globo
A acalorada discussão no grupo de WhatsApp que reúne os deputados federais do PL, revelada pelo GLOBO nesta segunda-feira, está longe de ser a única desavença pública envolvendo aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro, principal figura do partido. Os entreveros vão de discussões políticas intensas a animosidades familiares que extrapolam a convivência do lar, chegando, até mesmo, a um episódio em que um correligionário sacou a arma em direção a outro.
O clima esquentou no grupo do PL no WhatsApp após a aprovação da Reforma Tributária, que evidenciou o racha na bancada e exigiu intervenção de lideranças da legenda para evitar novas desavenças. O grupo alinhado ao ex-presidente Jair Bolsonaro, contrário à reforma, e a ala do Centrão, que se posicionou a favor das mudanças — agenda de interesse do presidente Lula —, envolveram-se em um bate-boca virtual com direito a xingamentos, acusações e até ameaça de saída do partido.
Na tarde do último domingo, diante da discussão, o líder do partido na Câmara, Altineu Côrtes (RJ), decidiu bloquear o grupo para que ninguém mais pudesse enviar mensagens. Mas já era tarde. Expressões como “melancias traidores” (comunistas) e “extremistas” deram o tom da nova realidade da sigla. “Tá igual o PSL”, comentou um dos deputados. Antes de se fundir com o DEM, o PSL se desintegrou em 2019, após apoiadores fiéis a Bolsonaro e outra parte da bancada entrarem em uma briga fratricida.
A Reforma Tributária já havia motivado outra rusga pública entre aliados. Governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) defendeu abertamente o texto e chegou a posar ao lado do ministro da Economia, Fernando Haddad, um dos principais fiadores da proposta. A postura do ex-ministro de Bolsonaro revoltou não só o antigo chefe, como também a militância bolsonarista mais histriônica.
Na quinta-feira, dia da votação, levado por Bolsonaro e o cacique Valdemar Costa Neto ao encontro que reuniu a bancada do PL para discutir o projeto, Tarcísio se viu isolado na defesa da reforma e teve de ouvir críticas duras dos aliados e do ex-presidente. Como se não bastasse, registros do embate foram vazados nas redes sociais para colocar a base bolsonarista contra o governador. Os dois, porém, acabaram fazendo as pazes no fim de semana.
Uma das mais ferrenhas defensoras de Jair Bolsonaro nos últimos, Carla Zambelli (PL-SP) também protagonizou o seu embate com o ex-presidente. Em fevereiro, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, a deputada federal criticou o aliado por não ter agido para desmobilizar as manifestações na porta de quartéis após a derrota para Lula nas eleições do ano passado. “Ele seria um remédio se tivesse dito que era para as pessoas saírem”, disse a parlamentar, que também questionou o fato de Bolsonaro, que se encontrava nos Estados Unidos à época, não voltar ao Brasil para liderar a oposição.
Após a declaração, Zambelli passou a ser vista como traidora pelo núcleo duro bolsonarista — termo que chegou a ser usado pelo próprio ex-presidente junto a interlocutores. Publicamente, ele até tentou desdenhar do episódio, mas deixou transparecer o incômodo: “Eu não li essa entrevista, nem vou ler”, afirmou Bolsonaro à CNN Brasil.
A falta de sintonia entre Carlos Bolsonaro e a madrasta, Michelle, é notória. Um dos episódios mais marcantes da relação ruim, porém, deu-se logo após a derrota do pai para Lula na eleição do ano passado. Responsável por gerenciar as redes sociais de Bolsonaro, Carlos decidiu deixar de seguir a então primeira-dama no Instagram pouco depois de o resultado do pleito ser anunciado. Contrariada, Michelle também parou de seguir o marido, gerando uma série de especulações.
O ‘unfollow’ mútuo era, na verdade, reflexo de um atrito anterior, ocorrido dias antes. Bolsonaro havia convocado militares às pressas para uma reunião no Palácio da Alvorada, e Carlos decidiu comparecer. O filho de Jair, contudo, estava vetado da residência oficial do presidente há tempos por Michelle, e a presença do herdeiro no local acabou motivando uma discussão.
Ex-ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro, Ricardo Salles contava com o apoio do antigo chefe para disputar a Prefeitura de São Paulo no ano que vem — e chegou a tê-lo, inicialmente. O ex-presidente, porém, acabou optando por aproximar-se do atual gestor da capital, Ricardo Nunes (MDB), o que revoltou o deputado federal do PL. “Tomei uma rasteira do Centrão”, disse Salles ao anunciar a desistência, acrescentando que “a direita perdeu”.
Semanas depois, Bolsonaro reclamou do “pavio curto” do aliado. “Se a gente tiver um candidato nosso, com chance de ganhar, a gente vai com ele”, acrescentou o ex-presidente, frisando que esse nome não era Salles, que também foi alvo de crítica por ter ido para o Twitter “chutar o pau da barraca”.
Com Bolsonaro nos Estados Unidos, para onde seguiu no fim do mandato, coube ao vice, Hamilton Mourão (Republicanos-RS), fazer um pronunciamento ao país no dia 31 de dezembro do ano passado. Na mensagem, o agora senador criticou o que chamou de “lideranças que deveriam tranquilizar a nação”, mas que acabaram contribuindo para um “clima de caos”.
As palavras foram pessimamente recebidas pelos filhos do ex-presidente. Ainda que sem mencionar nominalmente Mourão, o vereador Carlos Bolsonaro e o deputado federal Eduardo Bolsonaro classificaram o antigo aliado como um “bosta” e pontuaram que “máscaras caem”.
Embora não envolva bolsonaristas do primeiro escalão, um episódio ocorrido na Paraíba, durante a campanha do ano passado, ajuda a ilustrar o comportamento de aliados do ex-presidente em meio a desavenças. Em um evento do PL local em Soledade, na região do Cariri, houve até mesmo relatos de uma ameaça com arma.
Apontado como o responsável por tentar sacar uma pistola, com direito a registro em vídeo do momento, o então candidato a deputado federal Caio Marcio Angelo de Sousa, conhecido como Policial Caio, culpou pessoas próximas do correligionário e postulante ao mesmo cargo Cabo Gilberto pelo tumulto. Segundo Caio, o grupo não teria “nenhum pudor em deixar claro que tudo isso é por conta do famigerado fundo partidário”. Ele não se elegeu e acabou demitido da Polícia Federal, mas Cabo Gilberto tem uma cadeira na Câmara.