STF não se entende sobre foro privilegiado

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A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de restringir o alcance do foro privilegiado completou cinco anos em 2023, mas ministros têm flexibilizado esse entendimento e mantido na Corte investigações que não atendem aos critérios fixados pelo plenário. Internamente, já há quem defenda que esse é um tema que precisará ser revisitado. O julgamento concluído em maio de 2018 definiu que deveriam tramitar no STF apenas processos de deputados e senadores que tivessem cometido crimes durante o mandato e relacionados ao exercício do cargo. Antes, qualquer inquérito ou ação penal contra parlamentares, mesmo anteriores ao mandato, eram transferidas para o STF. A medida foi tomada para diminuir o número de processos da Corte. Decisões recentes, porém, mostram que essa jurisprudência ainda não está pacificada e que, após o STF virar alvo de ataques, houve um alargamento do entendimento sobre quais investigações deveriam ficar na mão dos ministros. No início do mês, Gilmar Mendes decidiu que deveria subir para o STF um caso que estava na primeira instância e mirava supostas irregularidades e omissões envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e integrantes do seu governo durante a pandemia. O ministro anulou uma decisão da Justiça Federal em Brasília que arquivou parte do processo, sob a justificativa de que se aventou a “possível participação de agente com foro de prerrogativa de função”. Não fica claro, porém, quem seria responsável por fazer a investigação subir para o Supremo. Entre os investigados, está o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que somente este ano assumiu uma vaga na Câmara. Antes de se aposentar, em abril, Ricardo Lewandowski determinou que as acusações feitas pelo advogado Rodrigo Tacla Duran contra o ex-juiz da Lava-Jato e senador Sergio Moro (União-PR) deveriam tramitar no STF e não na 13ª Vara Federal de Curitiba. O caso, porém, trata de um suposto ato de extorsão por parte de Moro, quando ele era magistrado e não parlamentar. O alargamento do entendimento de que casos devem ser julgados pelo Supremo também tem ocorrido em outras frentes, especialmente em inquéritos que tratam de ataques aos ministros do STF e ameaças às instituições, como o das “fake news” e o das “milícias digitais”. Nesses casos, mesmo pessoas que não possuem prerrogativa de foro têm sido julgadas pela Corte. Essa é a situação dos envolvidos nos atentados de 8 de janeiro. Embora a maioria dos ministros defenda que os casos devem tramitar no STF porque têm conexão com procedimentos abertos para investigar autoridades com foro, os ministros Kassio Nunes Marques e André Mendonça têm divergido desse entendimento. Na avaliação dos dois, essas ações deveriam ser enviadas para a primeira instância. Para Mendonça, manter os processos na Corte vai na contramão da jurisprudência adotada pelo STF em 2018, que teve como objetivo “reduzir a competência originária criminal do Supremo, até mesmo no sentido de melhor viabilizar os julgamentos realmente cabíveis no Tribunal e de se preservar a excepcionalidade da prerrogativa de foro”. Até agora, os ministros autorizaram a abertura de 1.290 ações penais para investigar os golpistas que participaram da invasão dos Três Poderes. Em 2018, quando a decisão de restringir o alcance do foro foi tomada, havia cerca de 540 processos desse tipo em tramitação. Na avaliação do professor Rubens Glezer, da FGV Direito SP, esse não é um fenômeno restrito ao caso do foro privilegiado. Segundo ele, quando o STF estabelece alguma previsão de restrição da sua competência, isso funciona como uma espécie de “diretriz” para que a Corte “possa se livrar da grande maioria dos casos”. A decisão, no entanto, não impede que os ministros abram exceções para julgar casos que eles acreditam que devam tramitar na Corte. Ele lembrou que isso também acontece em relação aos habeas corpus, que têm parâmetros estabelecidos para poderem ser julgados no STF. “É como se essas regras fossem assim: Não é de nossa competência, exceto se a gente quiser julgar.”

Valor Econômico