TCU pode pôr fim de vez ao bolsonarismo

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Foto: DOUGLAS MAGNO/AFP

A maioria dos ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro inelegível até 2030, por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação em um encontro com embaixadores no Palácio da Alvorada, em julho do ano passado. Por 5 votos a 2, os magistrados da Corte Eleitoral entenderam que houve desvio de finalidade na referida reunião, em que Bolsonaro atacou o sistema eleitoral. Entretanto, a ação que resultou na inelegibilidade do político pode ter outros desdobramentos, pois o ministro-relator Benedito Gonçalves afirmou que compartilharia o processo com o Ministério Público Federal (MPF) para apuração de eventuais crimes.

Uma das possibilidades seria o MPF apresentar uma ação civil pública, pedindo que o Poder Judiciário reconheça a prática de improbidade administrativa — que são atos contrários aos princípios básicos da Administração Pública. Nesse caso, uma possível condenação seria a perda dos direitos políticos de Bolsonaro, prevista na Constituição Federal, e que precisa ser reconhecida em sentença judicial transitada em julgado (ou seja, quando não cabe mais recurso, decisão final, definitiva).

Para melhor esclarecer o possível panorama em que Bolsonaro pode ser inserido daqui para frente, o Correio conversou com o professor Bruno Rangel, da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB). O especialista explica que perder direitos políticos implica em um afastamento mais amplo da vida política. “Impede a atividade partidária enquanto filiado, o que inclui o exercício da posição formal de presidente de honra [posto que Bolsonaro ocupa hoje no PL] e seu respectivo salário [ele ganha R$ 41,6 mil]. A pena ultrapassaria a questão da inelegibilidade, na qual a pessoa perde apenas o direito de concorrer a eleições”, afirma o professor.

Já no caso da pessoa com direitos políticos suspensos, a restrição alcança não apenas o direito de se candidatar, “mas também o de votar e de praticar outros atos inerentes aos direitos de cidadão, como de ter filiação partidária, emissão de passaporte, participação em concursos públicos, entre outras restrições”, acrescenta o especialista.

Uma representação do Ministério Público, junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), pede a análise dos impactos às contas públicas da reunião que Bolsonaro promoveu com embaixadores, no Palácio do Alvorada. Para o subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado, autor de representação, houve uso da máquina pública com desvio de finalidade. Nesse caso, se condenado, a inelegibilidade do ex-presidente pode se estender para além de 2030.

“Caberá ao TCU, garantida ampla defesa e o contraditório, apurar se houve irregularidade insanável, que configure ato doloso de improbidade administrativa, para que incida, se for o caso, outra causa de inelegibilidade, além da que já foi aplicada pelo TSE. A diferença é que a nova inelegibilidade decorreria da rejeição de contas e teria o prazo de oito anos, contado a partir do julgamento pelo TCU — o que só ocorreria no futuro, o que ultrapassaria o ano de 2030”, destaca Rangel.

Entretanto, na semana passada, pelas redes sociais, a advogada e ex-deputada estadual Janaina Paschoal avaliou que o TCU não pode estender a inelegibilidade de Bolsonaro, pois uma eventual condenação, segundo ela, feriria o princípio do bis in idem, que proíbe que uma pessoa seja condenada duas vezes pelo mesmo fato. “Até seria admissível o TCU pedir o reembolso das despesas havidas com a tal reunião, porém, jamais aplicar uma nova pena de inelegibilidade, ou estender a já aplicada”, argumentou a advogada.

Para o professor Bruno Rangel, no entanto, esse princípio não se aplica ao caso. “Não se trataria de julgar o mesmo fato pela mesma esfera de análise. Ao TSE cabe avaliar o ilícito eleitoral e ao TCU o julgamento das contas, avaliando o cumprimento da finalidade do gasto público. Por outro lado, esse também é o motivo pelo qual não se poderá dizer que o TSE já teria reprovado as contas por desvio de finalidade, tal como pretendeu o MP junto ao TCU, pois o TSE não possui competência para isso. Caberá ao TCU analisar os argumentos, considerando o julgamento do TSE como um dos aspectos de prova, mas não se limitando a ele”, refuta o especialista.

Correio Braziliense