Zanin toma posse no STF na quinta-feira

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Foto: Antonio Augusto/STF

Quando tomar posse no Supremo Tribunal Federal (STF), na quinta-feira, Cristiano Zanin vai se juntar a uma Corte que pouco diverge em decisões colegiadas, mas que, quando o faz, apresenta divisões e alianças bem delimitadas. O grupo formado por Edson Fachin, Nunes Marques, André Mendonça e Gilmar Mendes discorda, em média, quase três vezes mais da visão majoritária do STF que os demais magistrados. Outro comportamento recorrente é a dobradinha Marques-Mendonça, ambos indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. A discordância conjunta ante os outros ministros fica ainda mais evidente em temas caros ao bolsonarismo.

É o que mostra um levantamento feito pelo GLOBO com base na análise de mais de 7,6 mil decisões finais, liminares e de recursos tomadas no primeiro semestre de 2023, tanto no plenário quanto nas turmas. Foram localizadas 511 decisões sacramentadas com alguma discordância entre os ministros — ou seja, casos em que prevaleceu o entendimento da maioria. Foram desconsiderados na análise os inquéritos dos atos antidemocráticos, que, pelo alto número de réus, poderiam distorcer as estatísticas.

Os dados apontam que nenhum ministro teve tanta sintonia com outro ao divergir quanto Nunes Marques e André Mendonça. Foram 59 episódios no semestre. A lista inclui, por exemplo, seus votos contra a decisão do plenário que derrubou o decreto de indulto concedido por Bolsonaro ao ex-deputado federal Daniel Silveira (PTB).

As divergências entre os ministros do STF nas votações — Foto: Editoria de Arte

Outro caso foi a dobradinha contra fixar a tese de que a posse de armas de fogo só pode ser autorizada a quem demonstrar “efetiva necessidade”. Ambos foram ainda votos vencidos na inclusão do monitoramento de indicadores sobre feminicídios e mortes causadas por agentes de segurança no Plano Nacional de Segurança Pública e contra a derrubada de trechos de um decreto de Bolsonaro que flexibilizaram o controle de qualidade de pesticidas. Juntos, foram derrotados em tema relacionado a demarcação de terra indígena e, na Segunda Turma, ao se posicionarem a favor de recursos que beneficiariam Bolsonaro e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) em processos contra eles por difamação.

No período analisado, Fachin foi quem mais divergiu em votações colegiadas (140 vezes), pouco à frente de Marques e Mendonça (138), mas em boa parte foi voto vencido sozinho. Quando acompanhou outros colegas, o alinhamento foi mais disperso. Os dados apontam que Fachin se opôs mais à maioria em julgamentos de ação direta de inconstitucionalidade sobre leis estaduais e municipais. O magistrado adota uma visão mais flexível sobre temas que devem ser exclusivamente de competência da União.

Posicionamentos de Nunes Marques e André Mendonça: os indicados por Bolsonaro têm a maior sintonia entre os magistrados — Foto: O Globo

Isso ocorreu, por exemplo, em março, quando o plenário declarou inconstitucional uma lei de Minas Gerais que permitia ao governador conceder isenção de tarifa de energia elétrica a consumidores atingidos por enchentes no estado. A maioria entendeu que cabe à União a competência para legislar sobre energia. Já Fachin entendeu que a lei estadual está no âmbito da competência comum entre os entes federados ao combater as causas da pobreza e a marginalização.

Com quem Fachin votou ao ser derrotado — Foto: O Globo

Gilmar Mendes aparece em seguida e também se descola da maioria do tribunal. O ministro tem posição mais garantista e costuma divergir mais na análise de processos como habeas corpus e recurso extraordinário, principalmente na Segunda Turma.

Os demais ministros têm um posicionamento mais uniforme. O destaque, nesse caso, foi a presidente da Corte, Rosa Weber, que só foi voto vencido em 35 decisões.

Com quem Gilmar Mendes votou ao ser derrotado — Foto: O Globo

Professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Jeferson Mariano Silva pontua que as razões para os padrões de divergência no STF ainda são um enigma para a Ciência Política. A hipótese de que ministros indicados por um mesmo presidente votariam em conformidade com os interesses do mandatário, alvo de disputa e pesquisas no campo, é “carente de dados”. Por outro lado, o comportamento de Marques e Mendonça representa uma quebra de padrão, pelas posições ideológicas destoantes dos demais e próximas às de Bolsonaro. Procurados, Nunes Marques e André Mendonça não comentaram.

— Reagindo ao protagonismo político assumido pelo Supremo, Bolsonaro parece ter investido mais pesado que seus antecessores na estratégia de indicar nomes de sua inteira confiança. Essa mesma estratégia foi seguida, agora, pelo Lula. A indicação de Zanin nos permitirá saber se a polarização política que se observa já há alguns anos na sociedade brasileira está contaminando o Supremo — diz.

Professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), Luiz Fernando Esteves acrescenta que, além do compartilhamento de visões de mundo, há impacto de questões conjunturais, como o observado no contexto da Lava-Jato, que frequentemente dividiu os ministros em placares de 6 a 5, e na unidade agora vista nas apurações sobre os atos antidemocráticos.

Recentemente, divergências e consensos passaram a ser afetados ainda pela tecnologia. Para Esteves, as sessões virtuais no STF — em que ocorreram 99% das decisões colegiadas no semestre — reduziram as monocráticas.

— Casos menos polêmicos que não encontravam uma via ou ambiente propício para serem julgados de forma presencial passaram para o plenário virtual, enquanto o plenário presencial pode contribuir para a divergência. Os ministros, inclusive, podem usar a sessão para sinalizar posições que não têm relação com o tema, para dialogar com a opinião pública.

Conhecido por seus posicionamentos divergentes, o ex-ministro do STF Marco Aurélio Mello é defensor dos votos por maioria. Ele afirma que o colegiado é o “somatório de forças distintas” e que cada integrante deve se pronunciar segundo sua compreensão:

— Não cabe simplesmente aderir para, com isso, formar na corrente majoritária. O integrante nada disputa. Em colegiado julgador, o pronunciamento por maioria de votos estampa que duas correntes foram alvo de debate e decisão. Daí, sob o meu olhar, gozar de presunção de acerto maior — afirma.

O Globo