Advogado quer que Cid acuse Bolsonaro

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Foto: Alan dos Santos/Presidência

Pressionado pelas revelações da Polícia Federal sobre o suposto esquema de desvio de joias para o patrimônio de Jair Bolsonaro, o ex-ajudante de ordens Mauro Cid mudou de estratégia e adotou uma linha de defesa que indica a possível responsabilização do ex-presidente. A formação militar do tenente-coronel, que preza pela “obediência hierárquica”, foi citada pelo criminalista Cezar Bitencourt, que assumiu a defesa ontem, na segunda troca em três meses, como fator preponderante para a atuação de Cid no período em que esteve vinculado à Presidência.

— O então chefe dele (Jair Bolsonaro) escolheu o cara certo para lhe assessorar, porque Mauro Cid sempre cumpriu ordens. Pela formação de militar, sempre prezou pelo respeito à chefia, pela obediência hierárquica. A obediência a um superior militar há de afastar a culpabilidade dele — disse Bitencourt ao GLOBO.

A lei que norteia a atuação das Forças Armadas estabelece que o presidente é o “chefe supremo” de Exército, Marinha e Aeronáutica, “administrando-as por intermédio dos órgãos do Alto Comando”. O advogado de Bolsonaro, Paulo Bueno, ligou para o escritório de Bitencourt ontem para marcar uma conversa. Procurado pelo GLOBO, não quis comentar.

Cid está preso desde maio em decorrência da investigação da PF que apura se houve falsificação em certificados de imunização contra Covid-19 de Bolsonaro e familiares.

— Ordem ilegal, injusta, militar cumpre também. Não pode é cumprir ordem criminosa. Vamos avaliar onde apareceu (ordem criminosa), se apareceu, se ele tinha consciência disso. Alguém mandou, ele é só o assessor, cumpre ordens. Vamos examinar até onde vai a responsabilidade de um e de outro.

Acionado pela família de Cid anteontem, o advogado solicitou acesso aos inquéritos ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. No fim do dia, ele esteve no Batalhão de Polícia do Exército, em Brasília, onde o oficial está preso. Além de ouvi-lo, Bitencourt pretende se reunir com o general Mauro Lourena Cid, pai de Cid.

Desde que recaíram suspeitas sobre a atuação de seu filho, o general se mudou para Brasília e passou a atuar de perto na defesa. A interlocutores, ele sustentava que Cid estava sendo perseguido politicamente e contava ter o apoio de colegas das Forças Armadas. Procurado, o Exército não se manifestou. Na sexta, disse em nota que “não compactua com eventuais desvios de conduta de quaisquer de seus integrantes”.

Lourena Cid foi colega de Bolsonaro na Academia Militar de Agulhas Negras (Aman) nos anos 1970 e foi escalado por ele para chefiar o escritório brasileiro da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), nos Estados Unidos.

A mudança na defesa começou a ser gestada há dez dias, após O GLOBO revelar a troca de e-mails em que Cid negociava a venda de um relógio Rolex. Nas mensagens em inglês, o oficial negava possuir certificado da joia, pois havia sido um “presente recebido durante uma viagem oficial”, e afirmava que pretendia vendê-lo por US$ 60 mil (cerca de R$ 300 mil). O relógio foi recomprado pelo advogado Frederick Wassef, que admitiu a ação em entrevista anteontem. Segundo a colunista Malu Gaspar, a coletiva de Wassef irritou aliados do ex-presidente, que passaram a chamá-lo de “Wasséfalo”.

Depois da divulgação do caso do Rolex pelo GLOBO, Cid contou a história ao advogado Bernardo Fenelon, responsável por sua defesa à época. De acordo com pessoas próximas a Ci, a situação provocou uma “quebra de confiança” na relação com os parentes. O pai de Mauro Cid não teria revelado o que as investigações da PF estão descobrindo e isso levou o advogado a largar a causa, antes mesmo da suposta participação do general nas negociações dos objetos no exterior.

Desde então, os parentes buscaram se reunir com outros escritórios renomados de Brasília. Um dos procurados foi André Luis Callegari, especialista em lavagem de dinheiro e responsável por representar o empresário Joesley Batista no acordo de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República.

Também a interlocutores, familiares de Cid, sobretudo sua mulher, Gabriela Cid, negam que o ex-ajudante de ordens tenha interesse em assinar qualquer colaboração.

Embora não queira antecipar a estratégia, Bitencourt já criticou os acordos firmados na Lava-Jato, com “delatores encarcerados”, como escreveu. Ontem, retomou o tom, mas abriu uma brecha:

— Considero delação premiada uma aberração jurídica, que não está no meu radar. Agora, se for recomendável, iremos conversar. Preciso primeiro estudar o caso.

Relatora da CPI dos Atos, Eliziane Gama (PSD-MA) defendeu novo depoimento de Cid. Documentos da Receita em poder do colegiado, revelados pelo jornal O Estado de S. Paulo e confirmados pelo GLOBO, mostram que o tenente-coronel movimentou R$ 8,4 milhões entre 2020 e 2022 — R$ 4,5 milhões em créditos e R$ 3,8 milhões em débitos. Em documentos obtidos pelo GLOBO em julho, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) já havia apontado movimentação “atípica” e “incompatível”nas contas de Cid, que teria movimentado R$ 3,2 milhões, entre julho e janeiro deste ano.

O Globo