Bolsonarismo quer criar “feminismo conservador”

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Foto: Reprodução

“Nós não queremos competir com os homens, queremos ajudá-los”. Assim a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro descreveu a participação das mulheres na política, em um palco repleto de menções a filhos e maridos, críticas ao feminismo, buquês de flores e muito cor-de-rosa. O evento de pompa do PL Mulher, no fim de julho, em Florianópolis, reunia uma multidão interessada em ouvi-la, até que foi surpreendida pela presença improvisada de Jair Bolsonaro.

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— Deixa ele (Bolsonaro) sair que a gente começa, por isso que tinha que ter aparecido no telão, né? Melhor. Vamos voltar ao foco, acho que já deu — disse Michelle, tentando retomar a atenção do público.

Apesar dos percalços, a luta por maior participação feminina na política tem sido cada vez mais encampada por partidos conservadores e virou alvo de estratégias por mais filiadas e eleitoras. Um quarto das 91 deputadas federais é filiada ao PL ou ao Republicanos — dois partidos com forte identificação com a direita.

O país assistiu à ascensão de mulheres de direita sobretudo nas duas últimas eleições, na esteira de Bolsonaro. Casos de Carla Zambelli (PL-SP) e Joice Hasselmann (sem partido), deputadas federais mais votadas em 2022 e 2018, e Janaina Paschoal (PRTB), a estadual com maior votação da História, em 2018. As duas últimas romperam com Bolsonaro e não se reelegeram.

— Essa narrativa de colocar mulheres que estejam atreladas a um discurso patriarcal é uma ferramenta que os conservadores e a extrema-direita utilizam para frear os avanços das mulheres e disputar narrativas em torno de questões como “o que é ser mulher” e pautas relativas à família e à feminilidade — diz Camila Galetti, pesquisadora de extrema-direita e antifeminismo. — Essa busca só ocorre porque houve um avanço das pautas das mulheres. É uma contrarresposta.

Segundo ela, as igrejas evangélicas têm papel fundamental no recrutamento dos quadros, “com um discurso de que vivemos uma guerra cultural”.

O evento com Michelle mostra como o PL tem oferecido estrutura de campanha eleitoral para a ex-primeira-dama, que não ocupa cargo público, mas é considerada um importante ativo. Ela vem rodando o país para se reunir com mulheres e incentivar a filiação feminina. Foram ao menos sete eventos em diferentes estados. O objetivo da turnê é incentivar a abertura de setoriais, visando a fortalecer candidaturas femininas para 2024. Mas seus aliados reconhecem que o palco dado pelo PL garante holofotes para robustecer uma eventual candidatura à Presidência.

Participação feminina nos partidos — Foto: Editoria de Arte

Na direita já existem mulheres se dizendo feministas, ainda que com interpretação diferente daquela pregada à esquerda. É o caso da advogada de Bolsonaro, Karina Kufa, e da vice do PL Mulher, a deputada federal Rosana Valle (SP). Aliada de Michelle, Rosana faz ressalvas à definição:

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— Se ser feminista é lutar por maior participação das mulheres na política, então eu sou feminista. Mas não me identifico com todo aquele histórico do feminismo no Brasil, de defender aborto, queimar sutiã. Eu luto do meu jeito. Quero que as mulheres tenham os mesmos direitos, sejam respeitadas.

Se o feminismo é abraçado por algumas lideranças, o discurso antifeminista continua forte. A presidente do PL Mulher em Santa Catarina, a deputada estadual Ana Caroline Campagnolo, é uma das vozes mais estridentes contra o movimento. Autora de livros sobre o tema, ela se define como escritora antifeminista e tem histórico de ataques às mulheres de esquerda.

O Republicanos, que foi base do governo Bolsonaro, abraçou a bandeira das mulheres. Abrigo da senadora Damares Alves, a sigla se define como “a casa política das brasileiras”.

Ligado à Igreja Universal, o partido mira a mulher religiosa — não por acaso. Pesquisa Datafolha de dezembro de 2019 identificou que elas respondem por 58% do público evangélico no Brasil, acima da parcela feminina no país, de 52%. O partido é um dos três a ter maioria feminina entre os quadros, atrás do Partido da Mulher Brasileira (PMB).

— Há discursos de pastoras evangélicas falando de empoderamento feminino pelo evangelho. Isso ocorre na extrema-direita pelo mundo, não só no Brasil — afirma a pesquisadora Camila Rocha, co-organizadora de “Feminismo em disputa”. — Os partidos perceberam que não é mais sustentável simplesmente ignorar o desejo das mulheres. O que eles tentam fazer é subverter o feminismo: defendem que as mulheres têm liberdade inclusive para ficarem em casa cuidando dos filhos e serem dependentes de seus maridos.

O Globo