Bolsonaro teve encontros secretos com PGR e vice-PGR

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E-mails analisados pela CPI do 8 de Janeiro indicam “agendas privadas” à noite do ex-presidente Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada com o procurador-geral da República, Augusto Aras, e o seu braço-direito, Lindôra Araújo. Essas reuniões, registradas por ajudantes de ordens, não foram divulgadas pelo governo nem pelo Ministério Público Federal.

O primeiro registo de “agenda privada” de Bolsonaro é de 11 de abril do ano passado, entre 19h e 20h. Na ocasião, Lindôra havia acabado de ser promovida ao cargo de número dois de Aras — a nomeação havia saído uma semana antes. Os e-mails mostram a participação do senador Flávio Bolsonaro (PL), filho mais velho do presidente e apontado como um dos padrinhos da indicação da subprocuradora. Não há anotação sobre a presença de Aras nesta reunião.

Em manifestação ao Supremo Tribunal Federal (STF) oito dias depois do registo do encontro, Lindôra afirmou que não via indícios de crime do ex-presidente no inquérito instaurado para apurar a atuação de dois pastores lobistas na liberação de verbas do Ministério da Educação (MEC). “Se a mera citação de autoridade com foro prerrogativa por função pelo investigado não é suficiente para atrair a competência do STF, depreende-se que tal situação tampouco é capaz de imputar àquele a condição de investigado”, escreveu ela.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) afirmou que não se pronuncia sobre agendas privadas. Bolsonaro e Flávio não se manifestaram.

Os e-mails indicam ainda outra reunião reservada de Lindôra com Bolsonaro, em 2 de maio de 2022, entre 19h10min e 19h40min. Desta vez, o encontro contou com a participação de Augusto Aras. Três semanas depois, a vice-procuradora-geral entendeu que o ex-presidente não havia cometido crime de racismo por declaração dirigida a um apoiador negro, na qual perguntou se ele pesava “mais de sete arrobas”.

A terceira reunião que consta da “agenda privada” de Bolsonaro foi registrada em 10 de agosto entre 20h45min e 21h30min do ano passado. No dia 24 do mesmo mês, a vice-procuradora geral defendeu no Supremo Tribunal Federal (STF) que fosse arquivado um pedido feito por parlamentares para abrir uma investigação contra o então presidente por ter atacado o sistema eleitoral em um encontro com embaixadores. Na época, Lindôra afirmou que considerava “prematuro” abrir o inquérito e decretou o início de uma apuração preliminar sobre o caso. “A averiguação preliminar dos fatos deve ocorrer em sede de notícia de fato criminal na PGR ou em petição perante o STF, evitando-se a instauração prematura de inquérito”, afirmou ela em ofício.

No Tribunal Superior Eleitoral, uma ação diferente, mas relacionada ao mesmo episódio da reunião com embaixadores, resultou na inelegibilidade de Bolsonaro até 2030. Ele foi condenado pela Corte por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.

No mesmo dia, a procuradora também protocolou uma manifestação crítica ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, por ele ter ordenado mandados de busca e apreensão contra oito empresários bolsonaristas que compartilharam mensagens de teor golpista em um grupo de WhatsApp. A vice-procuradora-geral se queixou de que o magistrado não esperou um posicionamento da PGR antes de determinar as medidas cautelares e pediu acesso aos autos. “É absolutamente inviável que medidas cautelares restritivas de direitos fundamentais, que não constituem um fim em si mesmas, sejam decretadas sem prévio pedido e mesmo sem oitiva do Ministério Público Federal”, escreveu ela, na ocasião.

As informações sobre as agendas aparecem na caixa de e-mails do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência. Com o título “agenda privada”, as mensagens seguem o formato de calendário, com os dados relativos aos participantes, além da hora e o local.

Durante o governo Bolsonaro, a lista de visitantes no Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República, foi mantida em sigilo. Na gestão de Lula, o entendimento foi mantido com algumas exceções, como as que se referem a “agendas oficiais” e pessoas “com interesses junto à administração pública”.

“Os registros de entrada e saída de pessoas em residências oficiais do presidente e do vice-presidente da República são informações que devem ser protegidas por revelarem aspectos da intimidade e vida privada das autoridades públicas e de seus familiares, salvo se tais registros disserem respeito a agendas oficiais, que têm como regra a publicidade, ou se referirem a agentes privados que estejam representando interesses junto à Administração Pública”, diz o parecer feito pela Controladoria-Geral da União (CGU), em fevereiro de 2023.

A lei que trata da divulgação de compromissos por autoridades do Executivo federal não faz menção direta ao presidente. A Constituição, no entanto, estabelece a publicidade como um princípio que deve nortear a administração pública.

Mensagens no celular

Além dos e-mails dos ajudantes de ordens, mensagens do celular de Cid, analisadas pela Polícia Federal, indicam que Lindôra se reuniu com Bolsonaro na manhã do dia 26 de março de 2021, conforme revelou o site Metrópoles. De acordo com o diálogo, um ajudante de ordens avisou o tenente-coronel que estava chegando com a vice-procuradora-geral ao Palácio do Alvorada.

Antes de virar a número dois da PGR, Lindôra era conhecida no MPF por ser linha-dura na área criminal, sobretudo em inquéritos que envolviam suspeitas de corrupção e desvio de recursos públicos. Quando atuava junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), ela foi responsável por apresentar pedidos de prisão contra desembargadores de tribunais na Bahia e no Rio. E também denunciou e pediu afastamento do cargo do então governador do Rio Wilson Witzel, à época desafeto de Bolsonaro.

A vice-procuradora geral da República solicitou em julho deste ano o arquivamento de sete das 10 apurações preliminares abertas em decorrência dos trabalhos da CPI da Covid. Em cinco desses procedimentos, os senadores pediam o indiciamento de Bolsonaro pelos supostos crimes de epidemia com resultado de morte, charlatanismo, prevaricação, emprego irregular de verbas ou rendas públicas, e infração de medida sanitária preventiva. Lindôra não viu indícios de crimes da atuação do ex-presidente durante a pandemia.

O Globo