Carrascos de Dilma caíram no esquecimento
Foto: O Globo
Há exatos sete anos, o Senado determinava o afastamento definitivo de Dilma Rousseff (PT) do cargo de presidente da República. Três meses antes, a petista já havia sido retirada do cargo em caráter temporário, em mais uma etapa do processo iniciado ainda em dezembro de 2015, quando o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, deu prosseguimento ao pedido apresentado pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal.
Além de Cunha e Janaína, que chegou a trocar o Direito pela política, o impeachment Dilma também envolveu vários outros personagens marcantes, parte deles envolvida até hoje, direta ou indiretamente, com os bastidores dos três Poderes. Aparecem nesta lista nomes como o ex-presidente Michel Temer, que era vice da petista e a substituiu no cargo, e o ainda senador Renan Calheiros, que presidia a mesma casa à época.
Alvo do processo, a então presidente passou a ser investigada após ser acusada de ter atrasado o repasse a bancos públicos para melhorar artificialmente as contas do governo federal, as chamadas “pedaladas fiscais”. Dilma foi afastada da presidência, cargo que ocupou entre 2011 e 2016, por força de votações realizadas na Câmara e no Senado, sendo substituída por seu vice, Michel Temer.
Atualmente, ela preside o Novo Banco de Desenvolvimento, o Banco dos BRICS, em Xangai, na China. Neste mês, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) manteve a decisão que arquivou uma ação de improbidade administrativa contra a ex-presidente no caso das pedaladas. A decisão foi tomada pela 10ª Turma do TRF-1, que rejeitou um recurso do Ministério Público Federal (MPF) contra uma decisão da primeira instância que havia arquivado a ação.
Após a decisão do TRF-1, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que era preciso discutir uma forma de reparar Dilma Rousseff pela perda do cargo. Na última segunda-feira, o deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ) apresentou uma resolução que pede a devolução simbólica do mandato da ex-presidente.
Vice-presidente da República, Temer (MDB) não se posicionou ao lado de Dilma durante a crise política. Diante da iminente derrubada da petista, o peemedebista chegou a se descrever como um “vice decorativo” em uma carta endereçada a ela. Após o afastamento da presidente, Temer assumiu o cargo.
No ano passado, em entrevista ao Uol, o político, que hoje dá palestras em instituições no exterior, rejeitou que o impeachment contra Dilma tenha sido um golpe.
— Não houve golpe. Eu quero dizer que a ex-presidente é honesta. Eu sei, e pude acompanhar, que não há nada que possa apodá-la de corrupta. Ela é honestíssima. Mas houve problemas políticos. Ela teve dificuldades no relacionamento com a sociedade e com o Congresso Nacional. Esse conjunto de fatores levou multidões às ruas — afirmou.
Como presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (MDB) foi o responsável por acolher o pedido de impeachment contra Dilma, em dezembro de 2015. O parlamentar autorizou a abertura do processo em retaliação ao PT, que se declarou favorável à cassação de seu mandato no Conselho de Ética da Casa. O processo contra Cunha, acusado de quebra de decoro parlamentar por negar ser o dono de recursos na Suíça, havia sido apresentado por PSOL e Rede, mas só prosperou quando o PT decidiu endossar a investigação.
Com muito poder de articulação, Cunha foi o principal responsável pela negociação para que o Centrão desembarcasse do governo Dilma. No entanto, o parlamentar perdeu capital político e viu seu poder se esvair ao ser cassado, três meses após o impeachment de Dilma.
Sem mandato, ele foi preso durante a operação Lava Jato, permanecendo em regime fechado por mais de três anos e em domiciliar por um. Sete anos após perder seu cargo, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha voltou a cruzar o plenário, desta vez como coadjuvante. O ex-parlamentar passou a acompanhar sua filha e herdeira política, Dani Cunha (União-RJ), eleita em 2022 e de quem é conselheiro.
Presidente do Senado Federal, cargo que ocupou entre 2013 e 2017, Renan Calheiros (MDB) foi o responsável por determinar o rito do processo de impedimento. Desde o início, tentou se posicionar de forma neutra diante do impeachment.
Atualmente, ainda como senador, tenta uma aproximação de Lula e da ala lulista do MDB. Após selar acordo de apoio com o atual presidente, durante a campanha eleitoral no ano passado, seu herdeiro, Renan Filho (MDB), foi escolhido para assumir o cargo de Ministro dos Transportes no governo do petista.
Uma das signatárias do pedido que culminou no impeachment de Dilma, Janaina Paschoal aproveitou o capital político adquirido para se tornar, dois anos depois, em 2018, a deputada estadual mais votada da história do país. A passagem pela Assembleia Legislativa de São Paulo, no entanto, foi curta.
No ano passado, ela tentou uma vaga no Senado, mas, enfraquecida após críticas ao então presidente Jair Bolsonaro, não obteve sucesso. Com cerca de 450 mil votos — menos de 20% dos mais de 2 milhões recebidos quatro anos antes —, Paschoal amargou o terceiro lugar na disputa, vencida por Marcos Pontes, apoiado por Bolsonaro.
Sem um cargo político, ela voltou, em 2023, a dar aula na Faculdade de Direito da USP. O retorno à instituição, porém, foi marcado pelo protesto de alunos.
Embora Dilma Rousseff não tenha sido um dos alvos diretos da Lava Jato, que começou oficialmente em 2014, a operação teve reflexos no enfraquecimento do PT. Os relatos de desvios de dinheiro público, guiados pelo personagem principal da investigação, o ex-juiz federal e hoje senador Sergio Moro, extrapolaram o âmbito processual e foram o estopim de manifestações anti-corrupção.
O enfraquecimento da operação teve início pela reação dentro do Congresso Nacional, que questionou os métodos da investigação, e se consolidou a partir da divulgação de conversas privadas entre os integrantes da força-tarefa, em episódio que ganhou o nome de Vaza Jato, em 2019.
Depois de abrir mão do cargo de juiz e assumir o posto de ministro da Justiça de Bolsonaro, fortalecendo as indagações sobre suas motivações políticas, Moro decidiu deixar o governo em meio a atritos com o então presidente. Nas últimas eleições, foi eleito senador pelo estado do Paraná.
Coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, o então procurador da República Deltan Dallagnol também foi um dos protagonistas da trama. Após deixar o cargo, que ocupou entre 2003 e 2021, filiou-se ao Podemos e se candidatou ao cargo de deputado federal pelo Paraná.
Eleito em 2022, exerceu o cargo até junho deste ano, quando o registro de sua candidatura foi cassado por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por fraude à Lei da Ficha Limpa. Os magistrados entenderam que o ex-parlamentar deixou o Ministério Público para escapar de punições referentes à Operação Lava-Jato.
Durante a votação do impeachment de Dilma na Câmara, o então deputado Jair Bolsonaro protagonizou um dos momentos mais marcantes da sessão ao opinar a favor do afastamento da petista. A homenagem a Carlos Alberto Brilhante Ustra, coronel condenado por tortura durante a ditadura militar, rendeu críticas ao parlamentar dentro e fora do plenário.
Em meio ao crescimento do sentimento antipetista, fenômeno que se acentuou pós-impeachment, Bolsonaro acabou elegendo-se presidente em 2018, superando Fernando Haddad (PT) no segundo turno — Lula, à época condenado e preso pela Lava-Jato, estava impedido de disputar eleições por força da Lei da Ficha Limpa. O próprio Lula, após a anulação de suas condenações no Supremo Tribunal Federal (STF), bateria Bolsonaro na disputa pela reeleição, no ano passado.
Fora da chefia do Executivo, o ex-presidente foi declarado inelegível em julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que avaliou uma reunião com embaixadores na qual ele fez ataques infundados ao sistema eleitoral brasileiro. Bolsonaro também é investigado pela Polícia Federal (PF) em diferentes frentes, que vão de supostas fraudes em cartões de vacina até suspeitas de transações ilegais envolvendo presentes oficiais recebidos enquanto ele esteve na Presidência.
Afastado de Dilma, que a sucedeu no Planalto a partir de 2011, Lula só se reaproximou da pupila quando a crise política já chacoalhava o governo petista. Na busca por amenizar a relação com o Congresso, a então presidente chegou a tentar nomear o antecessor como ministro, mas a tática acabou derrubada pelo juiz Sergio Moro, que viu no movimento uma estratégia para que Lula ganhasse foro privilegiado, saindo da mira da Lava-Jato.
Em abril de 2018, já com Michel Temer na Presidência, Lula foi preso no âmbito da operação. Ele permaneceu atrás das grades por 580 dias, até que o STF derrubasse as sentenças, em novembro de 2019. No passado, venceu Bolsonaro em uma disputa apertada e voltou ao Planalto para seu terceiro mandato.