CCJ tem debate sereno sobre Forças Armadas

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Foto: Agencia Brasil

Em meio ao escândalo da venda de joias do acervo da Presidência da República, que implica a participação de militares de altas patentes; e ao avanço da comissão parlamentar de inquérito (CPI) mista que investiga os atos antidemocráticos de 8 de janeiro, que envolvem a participação de militares de todas as patentes, o debate sobre os limites constitucionais de atuação das Forças Armadas, realizado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados nesta conjuntura tão explosiva, surpreendeu pelo tom majoritariamente conciliador.

Como se sabe, os desdobramentos das investigações da Polícia Federal sobre os desvios de joias do patrimônio público sugerem o envolvimento direto do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), do tenente-coronel Mauro Cid – militar da ativa, que foi seu ajudante de ordens na Presidência, e se encontra preso -, e do pai dele, general de quatro estrelas Mauro Lourena Cid, oficial da reserva.

É um cenário sensível, que expõe o Exército Brasileiro, e coloca a instituição na berlinda.

Esse foi o pano de fundo delicado do debate que reuniu militares, políticos de diferentes matizes e pesquisadores acadêmicos na CCJ na quarta-feira, e que teve como mote a falsa percepção, disseminada por grupos bolsonaristas, de que as Forças Armadas seriam um poder moderador, como no Império.

Eram debatedores o ex-ministro da Defesa Raul Jungmann, o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) general Sergio Etchegoyen, o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Felipe Santa Cruz, além de nomes ligados à academia.

O ex-ministro da Secretaria de Governo da gestão Bolsonaro e general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, que ingressou na política, estava na audiência, ao lado de deputados representantes da direita e da esquerda.

A temperatura subiu apenas em um momento da fala do professor, historiador e ex-deputado Manuel Domingos Neto, quando – em uma quebra de protocolo – ele disse com todas as letras que Etchegoyen faltava com a verdade ao sustentar que o presidente da República delibera sobre política nacional de defesa. “É uma inverdade”, desafiou Neto, alegando prevalecer nessa matéria o “ponto de vista militar”.

Face ao desconforto, o presidente do colegiado, deputado Rui Falcão (PT-SP), anunciou que retiraria o trecho das notas taquigráficas porque o debate não comporta as “valorações de opiniões”.

Nas considerações finais, Etchegoyen manteve a serenidade, mas rebateu argumentos de Domingos Neto, como o de que o Exército só reverencia a memória de Duque de Caxias, o “Marechal de Ferro”. Lembrou que um bronze de Tiradentes, alferes do Exército, desponta na entrada da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende (RJ). “Para repor a verdade”, enfatizou.

A par o mal estar entre o general e o ex-deputado do PCdoB, prevaleceu o consenso, entre interlocutores de ideologias conflitantes, sobre temas polêmicos. “O saldo principal foi a ampla concordância de que o artigo 142 [da Constituição Federal] não pode contemplar as Forças Armadas como um poder moderador ou tutelar”, disse Rui Falcão à coluna. “Isso facilita mudanças no artigo, como sugestões que têm sido feitas na Câmara”, indicou.

Falcão acrescentou que outro consenso foi o de que o militar que quiser ingressar na política e disputar eleições terá que migrar para a reserva, ganhando ou perdendo o pleito.

Voz respeitada entre militares, Etchegoyen disse que em 50 anos de carreira militar, nunca ouviu que o Exército fosse um poder moderador. “Isso passou a fazer parte de uma narrativa, é o que eu chamo de não assunto”. Ele também se declarou simpático à proposta de que militares migrem para a reserva se quiserem disputar eleições.

Aliado do ex-presidente Bolsonaro, o deputado Filipe Barros (PL-PR) também se disse favorável à proposta de que militares entrem para a reserva se quiserem disputar mandatos eletivos. “Existem assuntos que, independentemente das divergências partidárias, creio que podemos avançar em prol do nosso pais”.

Barros também concordou que não existe um “poder moderador” das Forças Armadas, mas ponderou que o tema ganhou repercussão, principalmente entre bolsonaristas, em decorrência do que chamou de “ativismo judicial” atribuído ao Supremo Tribunal Federal (STF). “Temos que, de alguma maneira”, redesenhar as instituições para que os poderes sejam harmônicos e independentes”, exortou.

Vice-líder do PT, o deputado Lindbergh Farias (RJ) salientou que o Congresso precisa se antecipar para achar uma saída que preserve a imagem das Forças Armadas, e que leve a um distanciamento da instituição da disputa política no país.

“O estresse [político] está longe de atingir o seu auge”, alertou. Lindbergh lembrou que haverá julgamentos longos, que marcarão a história, sobre os atos golpistas de 8 de janeiro, que atentaram contra o estado democrático de direito, e sobre o desvio de joias do acervo presidencial, envolvendo um ex-presidente, um tenente-coronel da ativa e um general de quatro estrelas da reserva. “A tendência do estresse é aumentar”, advertiu.

Valor Econômico