Comandante do Exército tem plano para limpar imagem da Força

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Foto: Reprodução / Estadão

Diante da enxurrada de críticas em redes sociais e das investigações da Polícia Federal e da CPMI do dia 8 de janeiro, o comandante do Exército, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, emitiu uma ordem para afastar possíveis divisões internas e combater as críticas e ataques à Força Terrestre. O desgaste dos verde-oliva tem duas origens: o apoio dado por militares ao governo de Jair Bolsonaro e o envolvimento de alguns deles com os trambiques do antigo governo investigados pela Polícia Federal.

A estratégia de defesa da instituição inclui a criação de uma associação nacional de Amigos do Exército, com presença em todo País. O plano do comando inclui ainda a luta por benefícios para militares e seus familiares a fim de passar a mensagem ao público interno de que a atual gestão da instituição está comprometida com os interesses do Exército.

Tomás criou ainda um grupo de trabalho com participação de coronéis e de generais para obter mais recursos para os sistemas de Saúde e de Colégios Militares e para moradias de famílias de militares, além de ações que contribuam para fortalecer a imagem e a reputação da Força. O grupo terá ainda a função de “buscar a ampliação de recursos orçamentários, por meio de créditos adicionais, emendas parlamentares, convênios com ministérios e outras parcerias de interesse do Exército”.

Trata-se do Grupo de Trabalho de Apoio à Gestão Institucional (GTAGI), que ficará sob a coordenação do Estado-Maior do Exército (EME) e contará com representantes de órgãos operacionais e setoriais do Exército, além de integrantes do gabinete do comandante do Exército (Gab Cmt Ex), do Centro de Comunicação Social do Exército e do Centro de Inteligência do Exército (CIE), que devem orientar a adoção de medidas.

Na semana passada, a PF prendeu toda a cúpula da PM do Distrito Federal nas investigações sobre a intentona de 8 de janeiro. A caserna agora aguarda as novidades que podem surgir dos celulares apreendidos do general Mauro Cesar Lourena Cid, pai do tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid, e do tenente Osmar Crivelatti. Figura próxima do ex-comandante da Força, o general Eduardo Villas Bôas, Crivelatti é assessor de Bolsonaro. No sábado, os comandantes das três Forças e o ministro da Defesa, José Múcio, se reuniram com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para tratar da crise.

Dias antes, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados promovera o seminário Forças Armadas e política: limites constitucionais. Nele, houve o consenso de que servidores de carreiras de Estado que queiram se candidatar devem deixar o serviço público, mesmo que não sejam eleitos. A proposta recebeu o apoio de parlamentares petistas, como Carlos Zarattini (SP), do ex-ministro da Defesa Raul Jungmann e do general Sérgio Etchegoyen, ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

Etchegoyen explicou porque é simpático à proposta. “Hoje essa situação acontece com os comandantes de Força. Os oficiais generais ao serem nomeados comandantes de Força, se estiverem na ativa, são transferidos ex officio para a reserva. E a razão disso é evitar que um ex-comandante volte ao seio do Alto Comando. Eu me coloco na posição de tenente-coronel comandante de unidade e me sentiria um pouco desconfortável ao ver voltar para a ativa companheiros que estavam ontem em palanques que, não necessariamente, eu concordo e que trarão esses palanques para o seio da Força.”

Coube ao professor Manuel Domingos Neto, ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos da Defesa, as críticas mais duras às Forças. A começar pela distribuição geográfica das organizações militares, segundo ele, mais voltadas para a Defesa interna do que para a Defesa externa. Domingos Neto defendeu que fosse invertida a prioridade dos recursos gastos com a Defesa, com o aumento das capacidades da Marinha e da Força Aérea para a garantia de uma estratégia A2/AD (antiacesso/negação de área).

Na plateia estavam parlamentares da esquerda e da direita, além de militares e estudantes. Entre eles, o general Carlos Alberto Santos Cruz, ex-ministro do governo Bolsonaro, que depois se tornou um de seus maiores críticos na caserna. “É importante que a sociedade consiga fazer bem a distinção entre erro institucional e as responsabilidades individuais. As instituições são a base da democracia e da sociedade. E elas devem ser aperfeiçoadas. Agora, as responsabilidades individuais são tratadas de acordo com a lei.”

Para o general, a única forma de se fazer a distinção entre a instituição e o indivíduo é a aplicação da lei de maneira justa. “Mas sempre há desgaste. Quando as pessoas erram, acaba tendo um desgaste institucional. Só um ingênuo não reconhece.” Santos Cruz afirmou ainda que, apesar das paixões políticas e do ambiente de conflito “que se estabeleceu há quatro anos”, é muito importante que a aplicação da lei seja feita de maneira justa e equilibrada, “sem ideia de revanchismo ou perseguição”.

“Ela deve ser feita de maneira correta, sem politização e ativismo no Ministério Público, na polícia e nos órgãos judiciais. Equilíbrio e correção são fundamentais para não haver distorção na aplicação da Justiça”, afirmou à coluna. Dois dias depois do seminário, o general Tomás divulgou sua “ordem fragmentária n.º 1″, com o objetivo de pôr em prática a diretriz do comandante do Exército para o período de 2023 a 2026.

Logo no começo de sua ordem, o general Tomás informou qual era a sua intenção: “Minha intenção é orientar, com oportunidade, por intermédio de articulação sinérgica, as ações a serem desenvolvidas pelo Exército, em diferentes níveis, para continuar o processo de fortalecimento da coesão interna, valorizando a Família Militar, a dimensão humana e o culto aos valores e às tradições, bem como realizar e comunicar, da melhor maneira possível, as diversas ações desenvolvidas em prol da sociedade em geral, além de acompanhar temas do interesse do Exército”.

Tomás reconheceu que o Exército deve ser “uma Instituição de Estado, apartidária, coesa, integrada à sociedade e em permanente estado de prontidão”, que deve se voltar para suas atividades profissionais dentro da legalidade. O Exército deve priorizar 15 tipos de ações. A primeira delas diz: “Intensificar as ações que contribuam para a proteção e o fortalecimento da imagem e da reputação do Exército, de forma alinhada, integrada e sincronizada, gerando sinergia nos resultados, evitando-se a desinformação”.

A campanha de difamação contra generais promovida por extremistas bolsonaristas e as críticas tradicionais que a caserna recebe da esquerda inundaram as redes sociais da Força. Apesar disso, tiveram pouco impacto no índice de confiança do Exército, medido pelo IPEC – a Força Terrestre ficou, neste ano, em 5º lugar, com 66% de aprovação, caindo uma posição e seis pontos porcentuais em relação a 2020.

Ao completar seis meses de comando, Tomás afirmou que a democracia transpôs obstáculos e que a percepção de ameaça não pode existir. O temor, agora, é que as descobertas em relação aos militares acusados de práticas delituosas em cumplicidade com Bolsonaro desgastem ainda mais a imagem da instituição.

Ao mesmo tempo, o comando quer se aproximar dos veteranos, muitos dos quais capturados pelo extremismo bolsonarista e montar associações de Amigos do Exército. E dirige seu esforço para a pacificação do público interno em cinco ações para melhorar o sistema de proteção social, a assistência social, o sistema de saúde, os colégios militares e as moradias para militares em quartéis distantes.

Três outras ações são direcionadas à busca de recursos e uma à necessidade de práticas sustentáveis em respeito ao meio ambiente. A busca por dinheiro do orçamento está ligada à necessidade de investimentos em equipamentos e também ao impacto que o futuro arcabouço pode ter nas contas dos militares. Por fim, entre a decisão de criar o grupo de trabalho e a associação de Amigos do Exército, o general Tomás tratou de outro tema importante para seu público: os salários.

Ele determinou que o Estado-Maior adote, “em coordenação com a Secretaria de Economia e Finanças, as ações necessárias, particularmente perante as demais Forças e o Ministério da Defesa, para que sejam apresentadas as demandas visando à recomposição salarial dos militares”. Ou seja, a ofensiva de Tomás diante das críticas à Força em razão dos trambiques do bolsonarismo, será buscar conquistar os corações e as mentes dentro e fora da caserna em um País onde pode até faltar pão, mas jamais falta circo.

Estadão