Deputados de direita querem prender usuários de drotas
Foto: Roque de Sá / Agência Senado
Sob críticas do presidente do Congresso, o STF retoma hoje o julgamento do processo que define se porte de drogas para uso pessoal é crime. Enquanto a corte já tem 4 votos a 0 para descriminalizar o porte de maconha, ao menos 6 projetos de lei tramitam no Legislativo para endurecer as penas para usuários de drogas — um deles foi apresentado na Câmara há quase 15 anos.
A Lei de Drogas prevê que o porte para consumo pessoal é considerado crime, mas não leva à prisão. Sancionada em 2006 pelo presidente Lula (PT), a legislação atual determina como penas advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Os projetos de lei em tramitação na Câmara definem pena de prisão para usuários de drogas. Três deles são de aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL): os ex-deputados Daniel Silveira (PTB-RJ), Loester Trutis (PL-MS) e Onyx Lorenzoni (PL-RS).
O PL (projeto de lei) de Silveira, de 2019, estabelece detenção de um a quatro anos. Ele aguarda designação de relator na CCJC (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania). O de Trutis, de 2020, prevê a mesma pena, além de multa, para quem transportar ou consumir drogas perto de escolas e está pronto para ser apreciado pelo plenário. A proposta de Onyx, de 2016, é pela inclusão do crime de “importar” drogas para consumo próprio com novas penas, mas sem especificar quais seriam e aguarda criação de comissão temporária para análise.
Os outros três projetos tramitam há mais de dez anos no Congresso. O deputado Eduardo da Fonte (PP-PE) apresentou em 2009 uma proposta para punir usuários de drogas com detenção de 2 a 4 anos que só chegou à CCJC no início deste mês.
Especialistas avaliam propostas mais duras como contraproducentes. Segundo dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais, órgão do Ministério da Justiça e Segurança Pública, quase 28% da população carcerária no país está presa por crimes previstos na Lei de Drogas.
Um estudo recente estimou que 58,7% dos réus que respondiam por tráfico de maconha portavam até 150 gramas. O levantamento do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) analisou processos julgados na primeira instância judicial de todo o país no primeiro semestre de 2019.
Todas as organizações sérias no país e no mundo que estudam política de drogas apontam que essa ideia proibicionista de perseguição penal afeta de maneira contundente o Brasil. Aumentar a pena é agravar o problema do superencarceramento, da letalidade policial, da vulnerabilidade das pessoas que usam drogas. É irracional, despropositada, é o que todas as pesquisas apontam
ndressa Loli, professora de direito penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie – Campinas
Essas propostas que tramitam no Congresso são uma tentativa populista de tentar transformar uma discussão jurídica num caso político. Esse campo político especialmente da extrema direita tem como bandeira a manutenção da guerra às drogas. São pessoas que defendem um discurso sem base científica. As pesquisas no mundo todo, ao contrário, mostram que esse modelo repressivo produz mais dano que o abuso de certas substâncias
Cristiano Maronna, advogado, diretor da plataforma Justa e autor do livro “Lei de Drogas interpretada na perspectiva da liberdade”
Rodrigo Pacheco (PSD-MG) definiu como um “equívoco grave” a possibilidade de descriminalização por decisão do STF. Para ele, a medida sem discussão no Congresso e sem criação de programas de saúde pública, é uma “invasão de competência do Poder Legislativo”. Ele cobrou dos ministros do STF a compreensão do papel da arena política e afirmou que o Congresso está “trabalhando duramente” pelo bem do país.
Especialistas avaliam, no entanto, que o Supremo tem competência para decidir sobre o caso.
A análise da constitucionalidade em última instância se dá no Judiciário. Tanto isso é verdade que as Supremas Cortes da Argentina, Colômbia, México e África do Sul também trataram desse tema, se o Estado tem ou não legitimidade para criminalizar conduta de portar droga para uso pessoal. Em todos esses casos a resposta foi que não têm.
Cristiano Maronna
O processo legislativo permite fazer [a discussão] de forma mais adequada, com debate amplo. Por outro lado, a inércia do legislador também não pode ser suportada pelo cidadão. O Supremo tem papel orientador na aplicação da lei, faz isso o tempo inteiro e não pode se furtar
Thiago Bottino, advogado e professor da Fundação Getulio Vargas do Rio
Os ministros analisam um artigo da Lei de Drogas que configura como crime o porte para consumo pessoal. A depender da decisão do colegiado, esse trecho da lei pode ser declarado inconstitucional.
O julgamento não trata da autorização para a venda de entorpecentes no país. Isso continuará sendo considerado crime.
O processo, aberto em 2011, trata de um homem que foi flagrado com três gramas de maconha e condenado a dois meses de serviços comunitários. A Defensoria Pública de São Paulo recorreu em nome dele, e o caso chegou ao Supremo.
O caso, que estava parado desde 2015, tem até o momento 4 votos a 0 a favor de não considerar crime. Faltam os votos de sete ministros. Gilmar foi votou para descriminalizar o porte de qualquer droga para uso pessoal. Já Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Alexandre Moraes defendem que a mudança seja restrita à maconha. Moraes sugeriu que o porte de até 60g da erva deixe de ser crime.
A ação é de repercussão geral, ou seja, a decisão valerá para todos os casos semelhantes.
Além de decidir se a criminalização é constitucional ou não, a Corte deverá fixar regras mais claras para a aplicação da lei. Hoje, segundo especialistas, eles são subjetivos.
Não existe valor fixado na lei. 5 papelotes de cocaína é uso ou tráfico? Pode ser qualquer um dos dois. Acaba que os critérios usados [para diferenciar] são os de raça, idade, renda, se está na zona sul ou na zona norte do Rio, se mora perto da Cracolândia em São Paulo ou não. Essa discussão do Supremo é boa porque dá critério objetivo.
hiago Bottino
Acho que a fixação de critérios objetivos pode ajudar, mas mais importante que isso a meu ver é a fixação de um standard probatório que respeite o ônus da prova e a presunção de inocência. O que prova a traficância é uma investigação. Não dá para aceitar é o que existe hoje: a palavra do policial sobre a finalidade da droga acaba determinando uma condenação. Isso, a meu ver, não pode ser aceito.
ristiano Maronna