Entenda a força do ‘Bolsonaro’ argentino

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Foto: Reprodução

Liderando as eleições primárias na Argentina, o economista e deputado Javier Milei surge como o principal nome da extrema direita para se tornar o próximo presidente do país vizinho. O Metrópoles conversou com especialistas, que apontam o fracasso da economia argentina e o anticomunismo crescente, além do antiperonismo, como fatores que ajudam a explicar a ascensão do candidato conhecido por suas declarações polêmicas.

Natural de Buenos Aires, Milei tem 52 anos e é formado em economia na faculdade na Universidade de Belgrano. Eleito deputado em 2021, ele lidera a coalizão política Liberdade Avança, grupo de extrema direita que prega ideias conservadoras em temas sociais e liberais na economia.

Para a surpresa de muitos, Milei liderou as eleições primárias da Argentina, com 30,06% dos votos. Conhecido como o “Bolsonaro argentino”, o autodeclarado anarcocapitalista promete fazer da Argentina, que vem patinando entre crises econômicas desde a sua redemocratização, a “principal potência mundial em 35 anos”.

Entre as propostas polêmicas do candidato, conta o fechamento do Banco Central.

Para o analista político Nicholas Borges, o candidato de extrema-direita aprendeu a “surfar” no sentimento de insatisfação da sociedade argentina com as crises econômicas no país.

“Esse é um caminho quase certo em todos os lugares do mundo. Quando a população sente os impactos da crise pesando no bolso, o voto serve sempre como uma chancela de insatisfação. O bem-estar social e econômico em risco abre margens para a ascensão de personagens populistas, mas também trazem consigo uma preocupação momentânea da sociedade com outras questões, como a corrupção”, ressaltou o especialista.

O doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo (USP), Fernando Sarti, explica que dois grupos políticos vêm disputando o poder na Argentina desde a segunda metade do século passado: um luta por uma maior integração do país ao mercado mundial e o segundo defende um desenvolvimento econômico mais autônomo.

“Milei surge de uma espécie de empate, ou equilíbrio catastrófico, entre essas duas forças. Em outras palavras, o enorme crescimento da dependência externa da economia argentina promovida pelo primeiro grupo e a incapacidade de frear o processo de regressão social que este processo de internacionalização representa por parte do segundo produziram o cenário para que uma candidatura supostamente outsider ganhasse espaço no sistema político argentino”, observa o especialista em História Econômica e Contemporânea da Argentina.

Com propostas como redução drástica nos gastos públicos, fim de programas sociais e redução de ministérios, Milei é apontado como uma espécie de “Bolsonaro argentino”. Segundo o cientista político João Lucas Pires, doutorando na Universidade do Minho, as semelhanças com o ex-presidente brasileiro e outros líderes da extrema-direita mundial como Trump vão além do topete exuberante e cabelos despenteados.

“O discurso dessas figuras é semelhante e pode ser definido como “retórica do ódio”, conceito elaborado por João Castro Rocha, para descrever a linguagem adotada. Todos eles trabalham, inclusive Javier Milei trabalha, com a perspectiva de Guerra Cultural. É comum ver em todos esses locais o mesmo comportamento de falar em lives, buscar “lacrar” e fazer recortes para postar, as redes sociais são parte essencial da linguagem”, aponta.

O historiador Fernando Sarti faz um paralelo entre o antipetismo no Brasil e antiperonismo (Peronismo é um movimento político liderado por Juan Domingo Perón, militar que pregava um governo centralizado) na Argentina. Segundo ele, os dois são “descendentes diretos” do anticomunismo e ajudam a explicar o crescimento da extrema direita nos países vizinhos.

“Assim como sua matriz ideológica, o antipetismo e o antiperonismo servem como uma espécie de bode expiatório, de uma explicação simplificadora e reacionária da realidade, onde todos os males e problemas de uma sociedade acabam sendo atribuídos a um grupo específico, cuja eliminação traria a redenção e o restabelecimento de uma Era de Ouro fantasiada”, diz o especialista.

Aliado declarado do ex-presidente Jair Bolsonaro, Javier Milei tem um longo histórico de ofensas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), se referindo a ele como “presidiário comunista”. Além disso, o candidato de extrema-direita ainda tem afirmado que irá romper com o Mercosul e não vai comercializar com países “socialistas”, caso seja eleito mandatário.

Nicholas Borges ressalta que, apesar das afirmações de Milei, é improvável que Brasil e Argentina deixem de fazer comércio entre si no caso de uma vitória do deputado argentino.

“Mesmo com o distanciamento ideológico e político entre Jair Bolsonaro e Alberto Fernández, o Brasil e Argentina sempre mantiveram uma relação pragmática, isso porque os dois países ocupam uma posição econômica de quase interdependência muito forte.”

Metrópoles