Nota que Bolsonaro não leu teve 4 autores
Foto: Isac Nóbrega/PR
O clima no gabinete de Jair Bolsonaro era melancólico na manhã do dia dia 31 de outubro, a segunda-feira seguinte à eleição. Ministros chegavam em silêncio, como se viessem para um velório, para encontrar o chefe abatido, carrancudo e silencioso.
O senador Flávio Bolsonaro e o ajudante de ordens, Mauro Cid, já estavam com o presidente, que na noite anterior tinha ido dormir cedo e recusado visitas.
Rapidamente o gabinete ficou cheio de auxiliares. De acordo com os relatos de dois dos que chegaram cedo, alguns tentavam consolar o presidente, dizendo que ele havia “combatido o bom combate”, que tinha feito um belo governo, tivera uma excelente votação e que a eleição fora uma vitória da democracia.
Outros traziam sugestões mais práticas, das quais a principal era que Bolsonaro fizesse um discurso reconhecendo a derrota o mais rápido possível.
O presidente já tinha rompido a tradição de telefonar para o vencedor logo após a proclamação do resultado. Nem havia telefonado para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na noite anterior e nem fizera qualquer declaração.
A demora já vinha sendo criticada na imprensa nacional e internacional e incomodava o grupo que trabalhava pelo discurso da derrota.
Além do ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Fábio Faria, estavam nesse grupo o titular das Relações Exteriores, Carlos França, o da Economia, Paulo Guedes, o da Casa Civil, Ciro Nogueira, e a presidente da Caixa, Daniella Marques.
Bolsonaro, porém, hesitava. Faria propôs então redigir o discurso e entregar para que ele avaliasse. O presidente concordou, e os ministros desceram para o gabinete da Secom, um andar abaixo do de Bolsonaro, onde um rascunho do discurso foi colocado na tela de uma TV, para que todos lessem.
Foi esse o discurso encontrado nos emails dos auxiliares do presidente da República que agora estão sendo escrutinados pela CPI, que foi revelado pelo GLOBO.
Chavões normalmente usados por Bolsonaro em seus discursos de campanha – como as menções ao “ativismo judicial” e à “perseguição da imprensa” – estavam todos lá. Questionamentos à lisura do sistema eleitoral e do processo de votação, também.
Mas embora nem todos concordassem com esses trechos, todos aprovaram a parte em que Bolsonaro afirmaria que: “Eu sempre disse que o Brasil está acima de tudo e Deus acima de todos e que daria minha vida pelo Brasil. Por esse motivo, não contestarei o resultado das eleições”.
Confiantes de que a redação contemplava o humor do presidente, os ministros começaram a dizer aos jornalistas que Bolsonaro falaria com a imprensa às 14h.
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Mas pouco antes disso, quando os ministros entregaram o discurso ao presidente, ele imediatamente fez cara de quem não gostou e disse que ia pensar mais um pouco.
Os ministros então começaram a dizer que o pronunciamento ficaria para as 16h. Só que, quando chegou o horário marcado, Bolsonaro comunicou que levaria o texto pra casa para pensar melhor, e saiu para o Palácio da Alvorada.
“Quando ele disse isso, já entendemos que não reconheceria a derrota. Tínhamos perdido a disputa para o pessoal que achava que ele não tinha que dizer nada”, conta um dos ministros que participou da elaboração do discurso que Bolsonaro nunca leria.
Para os “vencedores” daquele dia, qualquer declaração que sugerisse que Bolsonaro jogara a toalha poderia revoltar e desmobilizar os seguidores que se aglomeravam nas portas de quartéis, especialmente os do acampamento golpista que se formara na frente do Quartel-general do Exército.
Entre eles estavam assessores como o ajudante de ordens, Mauro Cid, o general Augusto Heleno, o assessor internacional da presidência Felipe Martins e o filho zero três do presidente, deputado federal Eduardo Bolsonaro.
Eduardo, inclusive, protagonizou uma discussão dura com Paulo Guedes na manhã seguinte, quando o presidente reuniu ministros e assessores no Alvorada para discutir o que fazer.
Àquela altura, Bolsonaro já trabalhava com uma minuta completamente diferente. Os ministros que tinham escrito o discurso do dia anterior insistiram para que ele dissesse, de alguma forma, que aceitava o resultado da eleição, mas o presidente já estava de cabeça feita.
Discutiu-se, ainda, se Bolsonaro diria ou não que autorizava a transição de governo. Paulo Guedes insistiu que era necessário, mas Eduardo se irritou e começou uma discussão dura – que o próprio presidente arbitrou, decidindo que não falaria nada daquilo.
Ao final, Bolsonaro fez um pronunciamento de apenas dois minutos em que agradeceu os 58 milhões de votos, chamou os acampamentos de “movimentos populares” que seriam “fruto da indignação e do sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral”.
Disse, ainda, que “manifestações pacíficas sempre serão bem vindas, mas os nossos métodos não podem ser os da esquerda, que sempre prejudicaram a população, com invasão de propriedades, destruição de patrimônio e cerceamento do direito de ir e vir”.