Os Bolsonaro fizeram da política um negócio

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Foto: Reprodução

Jair e Michelle Bolsonaro são um bom exemplo de como a política também pode ser um excelente negócio. No início do ano, logo depois de voltar ao Brasil, a ex-primeira-dama ainda não sabia ao certo o caminho que iria seguir. Seu desempenho na campanha eleitoral havia chamado atenção. Mesmo sem tarimba no ramo, ela subiu em palanques, fez discursos e conseguiu eleger uma senadora em Brasília contra todas as previsões. Valdemar Costa Neto, o chefão do PL, partido do ex-presidente, percebeu que a performance de Michelle poderia gerar dividendos e a convidou para assumir um cargo de direção na legenda. Quando deixou o Palácio da Alvorada, a intenção da ex-primeira-dama era empreender. A passagem pela política havia lhe rendido 6 milhões de seguidores nas redes sociais, o que, bem trabalhado, imaginava, poderia se transformar num belo ativo financeiro. A intuição se confirmou na prática. Na primeira experiência comercial, ela gravou um vídeo para divulgar uma linha de produtos de beleza. Faturou 60 000 reais por alguns minutos de trabalho — um sucesso.

Por outro lado, o convite para assumir a coordenação da área feminina do PL também era atraente. Considerando apenas a questão financeira, seriam 40 000 reais de salário agregados ao orçamento familiar. Pensando no futuro, as perspectivas eram ainda mais promissoras. O partido ofereceu, caso ela quisesse, a estrutura para disputar um cargo eletivo em 2026. A ex-­primeira-dama decidiu conciliar as duas atividades. Na política, passou a viajar pelo país incentivando a filiação de mulheres à sua legenda, acompanha o marido em suas andanças e considera a possibilidade de concorrer ao Senado por Brasília. Pelo lado dos negócios, criou a MPB Business (iniciais de Michelle de Paula Bolsonaro), uma empresa de marketing direto que pode ser contratada para campanhas publicitárias de marcas parceiras, como no caso dos produtos de beleza — comercial que contou com a participação de Jair Bolsonaro —, ou remunerada por meio das visualizações de postagens nas redes sociais. Um sobrenome famoso no meio político tem valia no mercado. O clã Bolsonaro descobriu isso já faz algum tempo. Ao todo, são seis empresas ativas em nome do ex-presidente e de familiares. A mais antiga é a Bolsonaro Digital, que foi fundada em 2017 para prestar serviços de marketing direto e edição de livros, mas que sobrevive com a monetização de vídeos. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) estimou o faturamento da empresa em 460 000 reais mensais. Recentemente, o senador Flávio Bolsonaro abriu uma firma de advocacia e se associou a uma corretora de seguros. O deputado Eduardo Bolsonaro coordena um instituto de palestras que faturou no ano passado 600 000 reais com a venda de canecas, cadernos e calendários. Michelle tem o salário do PL e lucra na internet. Jair, mesmo inelegível, exerce o cargo de presidente de honra do partido e tem um salário de 41 000 reais. Somada com todos os vencimentos que o ex-presidente acumula — o salário do PL, mais 12 000 como oficial reformado do Exército, mais 37 000 da aposentadoria da Câmara dos Deputados —, a renda do casal chega a confortáveis 130 000 reais por mês.

arte vaquinha

Soube-se agora que o ex-presidente ainda conta com um milionário fundo de reserva. No início do ano, apoiadores lançaram uma campanha para ajudar Bolsonaro a pagar multas processuais. Um relatório do Coaf enviado à CPI do 8 de Janeiro revelou que o capitão arrecadou, via Pix, mais de 17 milhões de reais nos últimos seis meses. Em maio, ele disse a VEJA que a situação financeira estava apertada, não tinha dinheiro sequer para pagar advogados e que vivia do somatório de suas três fontes de renda. “Sou um f.! Não tenho nada mais além disso”, afirmou. Segundo o Coaf, o ex-presidente recebeu nos últimos seis meses 770 000 doações de valores que variaram de 2 a 48 000 reais. A campanha de arrecadação começou depois que a Justiça determinou o bloqueio das contas do ex-mandatário para garantir o pagamento de multas que ele recebeu por não usar máscara durante a pandemia. A dívida, que ainda não foi quitada, é de 1 milhão de reais. Ao falar sobre o assunto, o ex-presidente foi irônico: “Muito obrigado a todos aqueles que colaboraram comigo no Pix há poucas semanas. Dá para pagar todas as minhas contas e ainda sobra dinheiro para tomar um caldo de cana e comer um pastel com dona Michelle”. Em princípio, não há nada de ilegal no procedimento, mesmo se Bolsonaro pagar a multa e usar o saldo para outros fins. Problema dele com seus apoiadores. O caso, porém, trouxe à tona outra questão relevante. Em tese, as campanhas de arrecadação podem acabar estimulando a prática de certas transgressões, na medida em que a punição pecuniária deixa de ter efetividade. Um princípio básico das democracias é o que estabelece que uma pena jamais deve ser transferida para outra pessoa. “Parece evidente que essa vaquinha moderna tem o objetivo de dar um drible no sistema. É um desvio de finalidade e um desrespeito à Justiça”, afirma o doutor em direito Lenio Streck. “Para fins punitivos e dissuasórios, a pena de multa para pessoas que têm esse tipo de estrutura perde a eficácia”, diz o professor de direito Universidade de São Paulo (USP) e da ESPM Rafael Mafei. As vaquinhas em prol de políticos não são ilegais porque, em princípio, qualquer pessoa pode dispor de seu dinheiro como bem entender. “Desafia Darwin tentar explicar quem fica fazendo Pix para pagar multas, mas infelizmente sob o ponto de vista jurídico não há nada que possa ser feito”, completa o professor de direito administrativo da USP Vitor Schirato.

Os Estados Unidos enfrentam um debate parecido. Desde que deixou a Casa Branca, em 2020, Donald Trump responde a vários processos judiciais. O ex-presidente americano arrecadou entre 2021 e o ano passado mais de 510 milhões de reais em doações. Trump é multimilionário, mas sua defesa é bancada por fundos obtidos através de apoiadores. No Brasil, dez anos atrás, quando Jair Bolsonaro era apenas mais um entre dezenas de deputados de baixo clero, próceres do PT inauguraram essa prática, arrecadando entre os filiados do partido o valor da multa imposta pelo Supremo Tribunal Federal (STF) aos petistas fisgados no escândalo do mensalão. A Polícia Federal chegou a abrir inquérito para investigar o caso. “A iniciativa terminou se transformando em um processo indevido de transferência de penas”, disse na época o ministro do STF Gilmar Mendes. Hoje, com o Pix, as campanhas de doação se tornaram comuns. O ex-deputado Daniel Silveira, o deputado cassado Deltan Dallagnol e a deputada Carla Zambelli, que na quarta-feira 2 foi alvo de buscas da polícia, também promoveram suas próprias vaquinhas para quitar multas judiciais — todas, até onde se sabe, muito bem-sucedidas.

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