PM preocupa Lula mais que Forças Armadas

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Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

No dia 26 de junho, ao chegar para uma visita à 5ª Divisão de Exército, no bairro de Pinheirinho, em Curitiba, o comandante do Exército, general Tomás Miné Ribeiro de Paiva se deparou com cinco pessoas que tinham chegado em dois carros e o receberam com melancias nas mãos. Desde o governo Jair Bolsonaro a fruta tem sido usada como símbolo de oficiais que o extremismo de direita acusa de “militares comunistas”, verdes por fora e vermelhos por dentro. Como se recusassem a sair do local, a cerimônia de honras militares com a qual o general, que foi comandante daquela divisão, foi rearranjada. A melancia voltou aos grupos de militares nas redes sociais em função da operação de busca e apreensão da Polícia Federal que evidenciou o envolvimento do general da reserva Mauro Lorena Cid na operação de ocultação e venda, no exterior, de joias e presentes recebidos pelo ex-presidente no exercício do cargo.

A nota oficial do Exército sobre a operação de busca e apreensão afirma “não compactuar com eventuais desvios de conduta de quaisquer de seus integrantes”. Para o governo, a nota sinalizou a indisposição do comandante de proteger o general. Na comunidade militar, a postura não reduziu o clima de insatisfações localizadas, mas barulhentas, que uma eventual prisão do general Cid, pai do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, preso há 4 meses, provocou. É real o constrangimento com a exposição de um general quatro estrelas, ex-integrante do Alto Comando do Exército, em escândalo que se enquadra, na definição do inquérito, no “uso da estrutura de Estado para a obtenção de vantagens”. Mas nem todos reagem a este constrangimento com autocrítica. Não foi o primeiro oficial do Alto Comando de uma arma envolvido nesta trama. O almirante Bento Albuquerque, ex-ministro das Minas e Energia, responde a inquérito por ter tentado entrar no Brasil com presentes recebidos por Bolsonaro sem declará-los à aduana. São acusações mais indefensáveis do que aquela de golpismo, que tem sido rebatida, como se vê na CPI do 8 de janeiro, com o apoio da direita bolsonarista no Congresso, com argumentos de que a invasão resultou do fracasso de uma operação comandada pelos civis empossados e não pelos militares. Um ministro aposta que, de tão acachapante, este constrangimento acabará por calar as insatisfações internas. Por enquanto, é uma possibilidade. Há ciência, por exemplo, entre generais da ativa, de que as Forças Armadas se expuseram além do limite ao risco de envolvimento em escândalos de corrupção pela ocupação generalizada de cargos no governo Bolsonaro. Apenas na Agência de Promoção de Exportações (Apex) foram 25 cargos de gerência e direção, com salários, como o do general Mauro Lourena Cid, que chegavam a US$ 11 mil. A perda dos postos e as rixas com outras carreiras alimentam as tensões. O escândalo das joias atinge o Exército num momento em que as Forças Armadas buscam a inclusão, no Orçamento, de um reajuste. O argumento é que o último aumento aconteceu em 2016. A “reestruturação” da carreira em 2019 teria resultado, em alguns casos, em maior contribuição para a pensão militar. A comparação aí é com o funcionalismo civil, notadamente as carreiras policiais, que tiveram reajuste médio de 9%. Some-se a esta tensão, agravada pelo comando, pela Polícia Federal, da busca e apreensão na casa de Mauro Cid, a disputa, entre as duas corporações, pela segurança presidencial. A disputa foi resolvida em favor do Gabinete de Segurança Institucional, comandado pelo general Gonçalves Dias. Os mais exaltados atribuem, sem acolhida no Alto Comando, a operação Lucas 12:2 (“Nada há encoberto que não haja de ser descoberto; nem oculto, que não haja de ser sabido”) a uma retaliação da PF ao fracasso da tentativa conquistar a atribuição. Não é o único front em que as duas instituições se enfrentam. Há um decreto em estudo entre o Ministério da Justiça e o da Defesa para regulamentar o uso das FA no combate ao crime organizado sem recurso às operações de Garantia da Lei e da Ordem. Este decreto regulamentaria a Lei Complementar 97, que prevê “ações subsidiárias” das FA na ordem interna. A minuta deste decreto começou a ser elaborada em função do agravamento do combate ao crime organizado no Porto de Santos. A ideia é que os militares sejam requisitados em situações pontuais. Como a PF, sozinha, não dá conta de operações como a captura de mergulhadores do tráfico de drogas que embarcam lotes pelos cascos de navios, por exemplo, seria demandada a presença de profissionais especializados da Marinha. Ainda não se chegou a uma minuta que permita esta atuação pontual, sem GLO, mantendo a subordinação, como previsto na Constituição, ao presidente da República. É ele quem vai arbitrar as divergências entre Defesa e Justiça em torno da minuta final. Enquanto não se chega a um acordo sobre o tema, as polícias militares dão as cartas com uma autonomia – e violência – que preocupa o governo federal, especialmente porque o diálogo com Estados em que a situação é mais tensa, como São Paulo, hoje está mais obstruído. No início do ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o governador Tarcísio de Freitas chegaram a unir esforços em defesa dos desabrigados das chuvas do Litoral Norte de São Paulo. Nesta sexta, Tarcísio, assim como o governador de Minas, Romeu Zema, não compareceram ao evento de lançamento do PAC no Rio, nem enviaram representantes. A incerteza sobre a atuação coordenada das PMs no enfrentamento do crime organizado não permite que as FA sejam completamente dispensadas do front. E esta dependência permite que os militares recobrem fôlego neste momento em que o conluio de um general com a muamba presidencial afunda seu prestígio.

Valor Econômico