Violência da PM no Guarujá desmoraliza Tarcísio

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Foto: Danilo Verpa/Folhapress

Local estratégico e que concentra 29% da movimentação de todo o comércio exterior do Brasil, o Porto de Santos, no litoral paulista, é também uma das principais vias de saída de cocaína rumo à Europa e à África. Somente nos seis primeiros meses de 2023, a Polícia Federal apreendeu 4,2 toneladas da droga (10% do total enviado, segundo estimativas). Como exemplo do tamanho do negócio criminoso, 1 grama do entorpecente tem um custo 30 dólares na entrada de um navio. Quando desembarca no destino, o valor é multiplicado por três. Esse lucrativo mercado ilegal transformou a região em um dos principais redutos estratégicos do Primeiro Comando da Capital (PCC). Os confrontos provocados pela repressão policial a essas atividades atingiram uma escala inédita após o último dia 28, quando o PM da Rota Patrick Bastos Reis, de 30 anos, foi assassinado no Guarujá, um dos nove municípios da chamada Baixada Santista. Em reação ao crime, sob ordens do governador Tarcísio de Freitas e de seu secretário de Segurança, Guilherme Derrite, ocorreram desde então sucessivas ações policiais não só na Baixada, como em outras praias, inclusive do litoral norte. O autor do disparo em Reis acabou sendo preso (no total foram mais de 80 detenções) e, até a última quinta, 3, contabilizavam-se outras dezesseis mortes durante as investidas dos agentes fardados. O saldo macabro chamou atenção. Já é a operação mais letal da PM paulista desde 2006, quando uma onda de ataques do PCC gerou uma reação que culminou com a morte de 108 pessoas.

No jogo da política, os desdobramentos do crime do Guarujá colocaram sob pressão as autoridades do Palácio dos Bandeirantes. Flávio Dino, ministro da Justiça de Lula, foi um dos primeiros a fustigar a ação. “Foi cometido um crime bárbaro contra um trabalhador que precisa ser apurado, mas nós não podemos usar isso como uma forma de agredir e violar os direitos humanos de outras pessoas”, afirmou. Seu colega na Esplanada, Silvio de Almeida, da pasta dos Direitos Humanos, adotou uma linha semelhante: “Eu acho que o limite para isso é o respeito aos direitos humanos, seja para os agentes da segurança pública, seja para a população dos territórios onde a polícia atua”. Investigações paralelas sobre o caso foram iniciadas pelas corregedorias das polícias Civil e Militar e por membros do Ministério Público. Outra entidade que entrará no caso é a Ordem dos Advogados do Brasil, que montou um comitê de crise na cidade litorânea. Alvo principal das críticas, Tarcísio de Freitas acabou sendo obrigado a modular o discurso. Depois de inicialmente defender com firmeza as ações (“aqueles que resolveram se entregar à polícia foram presos, não houve excesso”, garantiu), acabou admitindo depois a hipótese de punir eventuais condutas indevidas. Aliados do Palácio dos Bandeirantes saíram em sua defesa, lembrando que o crescimento do crime organizado no estado é um problema antigo e que o ex-ministro de Jair Bolsonaro não é o primeiro a enfrentar mortes de civis após intervenções policiais no confronto com facções. O episódio deixou clara a dificuldade do governador em manter uma imagem de político de direita moderada, com uma gestão eficiente na área de segurança, mas sem o radicalismo de parte dos seguidores do ex-­presidente Jair Bolsonaro, seu padrinho político. O combate a qualquer custo à criminalidade é uma das bandeiras do bolsonarismo-raiz, que entrou na briga política provocada pela repercussão do caso no Guarujá. “Bandido não pode mandar neste estado”, disse o deputado estadual Major Mecca (PL), na tribuna da Assembleia Legislativa, na terça 1o.

Para além da polêmica, Tarcísio de Freitas terá ainda muito trabalho relacionado ao caso. A ordem no Palácio dos Bandeirantes é não deixar o episódio “desandar”. Tradução: evitar que o número de mortes aumente nos próximos dias. Ele também não quer que a violência suba a serra a ponto de gerar confrontos em outras áreas do estado, sobretudo na Região Metropolitana, que concentra quase 22 milhões de habitantes. Provoca enorme temor entre as autoridades uma possível repetição do que ocorreu em 2006. Na ocasião, o PCC ordenou diversos ataques a estruturas físicas do estado e matou 59 agentes de segurança nas ruas. Palco da nova onda de violência, o Guarujá foi por décadas um dos balneários mais badalados do país. O apogeu durou até por volta da década de 90, quando começou a perder a pompa para outras praias paulistas. Com o acúmulo de favelas espraiadas entre mangues e construídas sobre morros, a cidade entrou em processo de decadência. A partir dos anos 2000, passou a entrar na rota do tráfico, com significativo aumento de poder financeiro e bélico do crime organizado. “Somando esses poderes ao contexto específico da região portuária, o resultado foi uma situação que faz com que as favelas da Baixada tenham elementos típicos das do Rio de Janeiro, como controle armado na entrada das comunidades, misturados ao ritmo do PCC”, afirma o sociólogo Gabriel Feltran, autor do livro Irmãos — Uma História do PCC. Cabe agora ao governador Tarcísio de Freitas o tremendo desafio de lidar com esse problema. O caso do Guarujá não foi um bom começo.

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