Aliados que blindaram Bolsonaro estão afundando
Foto: Cristiano Mariz/
Além de inquéritos na Polícia Federal, aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ainda respondem a procedimentos administrativos e até a processos de improbidade. Nomes como o ex-ministro da Justiça Anderson Torres e o ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal Silvinei Vasques enfrentam ações que podem culminar, inclusive, com a determinação para devolução de salários e até a expulsão dos respectivos cargos.
No caso de Anderson Torres, delegado da Polícia Federal, a corporação já ordenou que ele devolva R$ 87.560,67 referentes aos salários recebidos durante os 117 dias em que esteve preso preventivamente no Batalhão de Aviação Operacional da Polícia Militar, no Guará, em Brasília.
A decisão que consta no Processo Administrativo Disciplinar (PAD) da PF que Torres responde tem como base uma nota técnica do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, de 2013, que prevê a suspensão dos pagamentos em caso de prisão preventiva.
“Diferentemente ocorre no caso de prisão preventiva do servidor, nos termos do art. 312 e seguintes do Código de Processo Penal, tendo em vista que este será privado de liberdade e, portanto, estará afastado de suas funções, fato que se constituirá como efetiva falta ao serviço, não lhe sendo devida, consequentemente, a percepção de remuneração, benefícios, adicionais e auxílios”, diz um trecho do documento.
O advogado Eumar Novacki, que representa o delegado, recorre do pedido e alega que a cobrança é indevida.
Ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal, cadeira que ocupou ao deixar o primeiro escalão do governo de Bolsonaro, Torres é investigado em pelo menos dois inquéritos do Supremo Tribunal Federal (STF): por omissão nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro e por articular blitz da PRF para prejudicar o tráfego de eleitores no segundo turno das eleições presidenciais.
Torres é investigado ainda por supostas irregularidades na criação de pássaros silvestres em sua casa, no bairro do Jardim Botânico. Em abril, agentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e do Instituto Brasília Ambiental (Ibram) resgataram 18 animais, levados ao o Centro de Triagem e Reabilitação de Animais Silvestres (Cetas).
Assim como o delegado, Silvinei Vasques também responde a procedimentos administrativos. Os dele, no entanto, tramitam na Controladoria Geral da União (CGU), e podem até levá-lo a perder a aposentadoria de R$ 18 mil mensais se forem comprovadas “atitudes ou condutas que não são compatíveis” ao cargo de diretor-geral, segundo a PRF.
“Os processos administrativos tramitam conforme a legislação vigente, que prevê para o investigado o direito ao contraditório e à ampla defesa, bem como punições em caso de comprovação de atitudes ou condutas que não são compatíveis com o cargo exercido na administração pública. Uma das punições previstas, em caso de comprovação de irregularidades, é a cassação da aposentadoria, conforme a Lei 8.112/90″, informa a corporação, que ainda apura a conduta de demais servidores então subordinados ao diretor-geral.
Também investigado pela PF no inquérito sobre o suposto esquema de concentração de blitz em estados onde o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tinha mais concentração de votos, Vasques foi preso preventivamente há quase um mês. Paralelamente, ele ainda se defende de uma ação de improbidade administrativa proposta pelo Ministério Público Federal do Rio.
Para os procuradores, ele teria se valido de sua conta no Instagram, bem como de eventos oficiais PRF, para promover a candidatura de Bolsonaro. Na contestação que apresentou à Justiça, o advogado Eduardo Nostrani, afirma que o ex-diretor-geral não cometeu qualquer irregularidade tampouco de princípios que regem a administração pública.
“Ocorre que tal lei, que é específica, não vedou ao agente público tecer considerações positivas a outro agente e, nem mesmo, em dia de folga, em rede social particular, pedir voto a este ou aquele candidato”, escreveu no documento.
Apontada por Walter Delgatti Netto como a responsável por sua contratação para invadir o sistema do Conselho Nacional de Justiça, a deputada federal Carla Zambelli é investigada pela Polícia Federal também por supostamente intermediar um encontro entre ele e o então presidente Jair Bolsonaro. Na reunião, de acordo com o hacker, teria sido debatida a possibilidade de invasão as urnas eletrônicas.
Zambelli ainda é alvo de pelo menos quatro ações na Justiça Eleitoral que podem resultar na cassação de seu mandato e até na sua inelegibilidade por oito anos, a contar das eleições de 2022. Em duas delas, os autores argumentam que a deputada faria parte de um “ecossistema de desinformação bolsonarista” que atuaria para “usurpar temas do debate público”. Nas demais, o foco são a supostos ataques ao sistema eleitoral.
A parlamentar também é ré em um inquérito por porte ilegal de arma de fogo e constrangimento ilegal com emprego de arma de fogo por perseguir armada um homem, em São Paulo, na véspera do segundo turno. Na ocasião, o rapaz, disse que, com a vitória de Lula, Bolsonaro e seu grupo iriam “voltar para o bueiro”, entre outras provocações. Em seguida, de pistola em punho, ordenou-lhe que se deitasse no chão de uma lanchonete.
Na denúncia aceita há duas semanas pelo STF, a Procuradoria Geral da República destacou que Zambell “agiu fora dos limites da autorização de porte de arma para defesa pessoal, que veda sua condução ostensiva, a entrada ou a permanência com ela em locais públicos onde haja aglomeração de pessoas”. Além disso, “de forma livre, consciente e voluntária, constrangeu a vítima, mediante grave ameaça com o emprego de arma de fogo, a fazer o que a lei não manda, que é permanecer no estabelecimento comercial e deitar no chão”, destacou a PGR.
Ao GLOBO, o advogado Daniel Bialski informou que a deputada “está confiante em demonstrar sua completa inocência no incidente”.
“Diferentemente do que quer parecer, ela foi vítima de ofensas, ataques, xingamentos, ameaças e somente qui fazer cessar e depois deter um dos ofensores – eram cinco – que se evadiram do local. Os elementos já coligidos e os outros que serão trazidos ao processo serviram para evidenciar que ela não cometeu qualquer ilícito penal, já que agiu no exerc’cio regular de um Direito”, disse, em nota.
Solto no sábado depois de mais de quatro meses no Batalhão de Polícia do Exército, em Brasília, por supostamente fraudar sistemas do Ministério da Saúde, o tenente-coronel Mauro Cid é citado em pelo menos seis investigações. Ele fechou um acordo de delação premiada com a Polícia Federal.
O ex-ajudante de ordens do ex-presidente é apontado como um dos principais responsáveis pelas negociações de presentes recebidos por ele de autoridades em viagens oficiais e ainda teria participado do encontro entre o então chefe e o hacker Walter Delgatti. No celular de Cid também foi localizada um documento sobre uma suposta trama golpista.
De acordo com o Exército, porém, o oficial ainda não é alvo de um procedimento interno justamente por encontrar-se “à disposição da Justiça”. “Cabe destacar que a Força tem prestado as informações necessárias aos órgãos competentes, quando solicitado. Esse é o procedimento que tem pautado a relação de respeito do Exército Brasileiro com as demais instituições da República, informou a instituição, em nota.
Procurado, o advogado Cezar Bitencourt, que representa Mauro Cid, não retornou os contatos.