Alternativas da direita a Bolsonaro são fracas

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Foto: Editoria de Arte/O Globo

Quase um ano depois da vitória acirrada de Luiz Inácio Lula da Silva sobre Jair Bolsonaro, o quadro político do país para 2026 permanece polarizado, com o petista melhor avaliado em relação ao antecessor, que vê o governador paulista Tarcísio de Freitas despontar como favorito para sucedê-lo em uma direita fragmentada.

Dados da pesquisa “A Cara da Democracia” mostram que 35% avaliam como ótimo ou bom o governo de Lula, ante 30% que diziam o mesmo de Bolsonaro em setembro de 2022. Além disso, 37% gostam muito do petista (contra 22% do ex-mandatário), enquanto 51% não gostam ou gostam pouco do ex-presidente (35% responderam o mesmo do atual ocupante do Planalto).

A pesquisa feita entre 22 e 29 de agosto pelo Instituto da Democracia (IDDC-INCT), com financiamento do CNPq, mostra ainda a disputa aberta pelo espólio de Bolsonaro, inelegível pelos próximos oito anos, com Tarcísio (17%) à frente do ex-juiz Sergio Moro (12%), da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (11%) e do governador mineiro Romeu Zema (6%).

Entre os que disputam mais diretamente o espólio bolsonarista, Tarcísio e Zema contam com uma base próxima que diz gostar muito deles (15% e 10%, respectivamente). Na outra ponta, 37% não gostam ou gostam pouco do mineiro, e 36% dizem o mesmo sobre o governador paulista. Uma parcela significativa ainda desconhece tanto Zema (29%) quanto Tarcísio (20%).

Pesquisa 'A cara da democracia': a percepção sobre lideranças políticas — Foto: Editoria de arte

Para ocupar o espaço do ex-presidente inelegível, Tarcísio e Zema têm mirado grupos diferentes: enquanto o primeiro busca adesão de bolsonaristas moderados, o mineiro procura respaldo de segmentos mais radicais. Apesar dos esforços de ambos os lados, 14% continuam sem saber apontar o herdeiro do ex-titular do Planalto e 7% ainda veem Bolsonaro como o melhor candidato, embora esteja inelegível.

Professor e pesquisador do Laboratório de Estudos da Mídia e Esfera Pública (Lemep), do Iesp/Uerj, João Feres Júnior avalia que o fato de Bolsonaro não ter forte vinculação partidária e não ter se empenhado ainda em construir sucessor ajudam a explicar o cenário.

— A transferência de votos é bem complexa. Mesmo Lula, que é um exemplo histórico por ter transferido muitos votos a Haddad estando preso, não teria feito isso se não fosse a força do PT — afirma.

Embora não haja um nome capaz de agregar tanto quanto Bolsonaro, a pesquisa mostra que há um eleitorado conservador pujante no país e distante do que representa hoje o presidente Lula, colocado desde já pelo PT como candidato. Há, por exemplo, o dobro de brasileiros que se dizem de direita do que de esquerda. Além de uma maioria em tradicionais pautas de costumes, como legalização do aborto (79% são contrários) e descriminalização do uso das drogas (70% se opõem).

Michelle é a mais vocal sobre essas pautas. Evangélica, ela ganhou agenda própria pelo país após assumir o setorial de mulheres do PL e, de acordo com a pesquisa, tem ainda mais apelo entre os que declaram “gostar muito” de Bolsonaro. No núcleo mais simpático ao ex-presidente, 28% apostam que ela será a herdeira do capital político do marido, em empate técnico com Tarcísio, que tem 29%.

Pesquisa 'A cara da democracia': potencial de sucessão de Bolsonaro — Foto: Editoria de Arte

Os filhos de Bolsonaro, por enquanto, não prosperam na bolsa de apostas da sucessão. Só 3% dizem que algum herdeiro do ex-presidente poderá eventualmente substituí-lo nas urnas. Bolsonaro tem cinco filhos, e três ocupam cargos políticos: Flávio (senador), Eduardo (deputado federal) e Carlos (vereador).

O levantamento do instituto, que reúne pesquisadores das universidades UFMG, Unicamp, UnB e Uerj, sugere que a avaliação mais positiva do governo Lula se constrói a partir de uma percepção de melhora na economia do país. São 44% dos entrevistados os que veem a economia melhor hoje do que na gestão anterior, e outros 29% dizem que a situação continua a mesma, enquanto 23% veem piora. Dentre aqueles que dizem gostar muito de Bolsonaro, 15% reconhecem que houve melhora na economia do país sob o atual governo.

Apesar da avaliação positiva da área, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, visto como um possível sucessor de Lula, ainda não capitalizou a percepção sobre a melhora na economia. Apenas 14% dos eleitores dizem gostar muito do ministro e outros 48% afirmam não gostar ou gostar pouco de Haddad.

Pesquisa 'A cara da democracia': avaliação de governos Lula e Bolsonaro — Foto: Editoria de Arte

O diretor do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da Unicamp, Oswaldo Amaral, destaca que houve variação negativa no percentual de eleitores que dizem gostar muito de Bolsonaro em um ano. Em agosto de 2022, eram 24% os que davam notas superiores a 8 para ele.

— Trata-se de um recuo que é reflexo de resultados ruins do governo anterior e das más notícias recentes, que colocam em dúvida questões sobre a figura do ex-presidente ligadas à corrupção — afirma.

O cenário de polarização que marcou o país nos últimos anos se reflete na avaliação sobre lideranças políticas, que não conseguem arregimentar altos índices de popularidade, e nas respostas sobre temas como corrupção (a percepção de aumento é maior entre bolsonaristas) e economia (é maior a porcentagem de petistas que veem melhora), por exemplo.

A pesquisa mostra ainda que a base bolsonarista segue mobilizada, com impacto na percepção sobre as instituições e na avaliação da democracia. Essa parcela ainda vê perseguição na decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que tornou Bolsonaro inelegível (94%), e contribui para uma percepção mais negativa do Supremo Tribunal Federal (STF) — 36% dos brasileiros dizem não confiar na Corte, contra 45% que confiam muito ou confiam mais ou menos.

Apesar desse quadro, 57% dos brasileiros avaliam que a democracia é preferível a qualquer outra forma de governo. Por outro lado, 50% consideram que seria justificado os militares tomarem o poder por meio de um golpe caso o país se veja “diante de muita corrupção”, contra 45% que pensam o contrário. No ano passado, os percentuais apareciam praticamente invertidos.

A pesquisa do Instituto da Democracia foi feita com 2.558 entrevistas presenciais de eleitores em 167 cidades, de todas as regiões do país, entre 22 e 29 de agosto. O levantamento é também financiado pela Fapemig. O índice de confiança é de 95%.

O Globo