Barroso manda “recados” a Lula

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Ao tomar posse nesta quinta-feira como presidente Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso aproveitou seu discurso para enviar uma série de recados, inclusive a figuras sentadas ao lado dele durante a solenidade: os presidentes da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT); do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG); e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). A fala do ministro também foi recheada por temas que ele considera prioritários para sua gestão, como a defesa de minorias.

Um dos eixos centrais do pronunciamento, no entanto, mirou o entorno de Jair Bolsonaro (PL), mesmo que ele não tenha sido citado diretamente. Barroso atacou o que classificou como “extremismo, populismo e autoritarismo”, lembrou os ataques de 8 de janeiro — perpetuado por apoiadores do ex-presidente — e até frisou que, “na hora decisiva, as Forças Armadas não sucumbiram ao golpismo”.

Confira, abaixo, alguns dos principais pontos do discurso do novo presidente do STF.

1- Agradecimento a Dilma
Logo ao início de sua fala, Barroso fez questão de agradecer à ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que a indicou ao STF em 2013. Em meio às expectativas pelo anúncio de Lula sobre o substituto de Rosa Weber, que estão deixando a Corte, o ministro frisou que, ao escolhê-lo, a petista “não pediu, não insinuou, não cobrou”.

— Minha gratidão vai também para a presidenta Dilma Rousseff, que me indicou para o cargo da forma mais republicana que um presidente pode agir: não pediu, não insinuou, não cobrou. Procurei retribuir a confiança servindo ao Brasil sem jamais ter qualquer outro interesse ou intenção que não fosse a de fazer um país melhor e maior, um país justo, quem sabe um dia — disse.

2- Elogios a Rosa
Se a menção a Dilma veio logo ao início do discurso, Barroso dedicou, pouco depois, ainda mais tempo aos elogios a Rosa Weber, que o antecedeu no posto de presidente da Corte. A ministra foi chamada de “amiga querida” e “figura doce”, dona de uma “personalidade cativante”. Elencando a trajetória jurídica da magistrada — classificada como uma “carreira impecável” —, Barroso afirmou que sucedê-la “não é tarefa fácil”

— Ministra Rosa Weber, sei que seu espírito reservado não é afeito a honrarias. Mas, em nome da nação agradecida, em nome dos que sabem distinguir as grandes figuras da história deste Tribunal, eu a reverencio pelos imensos serviços prestados ao Brasil — derreteu-se.

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Ele também lembrou a atuação da então presidente da Corte após os ataques de 8 de janeiro:

— Em um dos momentos mais dramáticos de nossa história, liderou a reconstrução deste Plenário em 21 dias, de modo a que estivesse pronto na reabertura do ano judiciário.

3- Democracia protegida
Barroso afirmou que a democracia viveu momentos de sobressalto em todo o mundo, não só no Brasil, com ataques às instituições, mas venceu. E acrescentou que agora é preciso trabalhar pela pacificação do país, acabando com “os antagonismos artificialmente criados para nos dividir”.

— As instituições venceram, tendo ao seu lado a presença indispensável da sociedade civil, da Imprensa e do Congresso Nacional. E, justiça seja feita, na hora decisiva, as Forças Armadas não sucumbiram ao golpismo. Costumamos identificar os culpados de sempre: extremismo, populismo, autoritarismo… E de fato eles estão lá. Mas a recessão democrática fluiu, também, pelos desvãos da democracia: as promessas não cumpridas de oportunidades, prosperidade e segurança para todos.

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O presidente do Supremo também frisou que o “país não é feito de nós e eles”:

— Ninguém é dono da verdade, ninguém tem o monopólio do bem e da virtude. A vida na democracia é a convivência civilizada dos que pensam diferente. E quem pensa diferente de mim não é meu inimigo, mas meu parceiro na construção de uma sociedade aberta, plural e democrática.

4- Recado para Lula
Se outros momentos do discurso podem ser lidos como recados velados a Lula, em pelo menos uma passagem o paralelo ficou ainda mais explícito. Dias depois de o presidente assegurar que não levará em conta “critérios de gênero e cor” para o preenchimento da vaga de Rosa Weber, Barroso saiu abertamente em defesa da diversidade no Judiciário:

— Comprometo-me a contribuir para que (os magistrados) sejam selecionados com rigor, sejam ouvidos e valorizados. Ainda assim, há dois pontos em que temos de melhorar. O primeiro: aumentar a participação de mulheres nos tribunais, com critérios de promoção que levem em conta a paridade de gênero. E, também, ampliar a diversidade racial.

5- Aceno ao Congresso
O ministro pregou a harmonia entre os Poderes, no momento em que o Legislativo se queixa de suposta interferência do STF em suas atribuições. Barroso chegou a falar em “autocontenção” por parte da Corte.

— Nada obstante, é imperativo que o tribunal aja com autocontenção e em diálogo com os outros Poderes e a sociedade, como sempre procuramos fazer e pretendo intensificar. Numa democracia, não há Poderes hegemônicos. Garantindo a independência de cada um, presidente Arthur Lira, presidente Rodrigo Pacheco, conviveremos em harmonia, parceiros institucionais que somos pelo bem do Brasil — discursou Barroso, inclinando-se em direção aos parlamentares.

Na última quarta-feira, o Senado aprovou projeto estabelecendo um marco temporal para a demarcação de terras indígenas, logo após essa tese ter sido rejeitada pelo STF. A proposta, segundo a qual indígenas só podem reivindicar terras já ocupadas na data da promulgação da Constituição de 1988, foi encaminhada para a sanção do presidente Lula, que pode vetá-la.

6- Defesa de minorias
Apesar do aceno ao Congresso, Barroso não se furtou de defender a decisão do STF acerca do marco temporal. Enquanto elencava a atuação recente da Corte no que chamou de “proteção dos direitos fundamentais”, ele frisou:

— Povos indígenas passaram a ter a sua dignidade reconhecida, bem como o direito a preservarem sua cultura e, ao menos, uma parte de suas terras originárias.

O presidente também destacou as posições do Supremo “em favor do heroico esforço da população negra por reconhecimento e iguais oportunidades” e o “reconhecimento de importantes direitos” dos LGBTQIA+, “com destaque para a equiparação das uniões homoafetivas às uniões estáveis convencionais”.

— Há quem pense que a defesa dos direitos humanos, da igualdade da mulher, da proteção ambiental, das ações afirmativas, do respeito à comunidade LGBTQIA+, da inclusão das pessoas com deficiência, da preservação das comunidades indígenas são causas progressistas. Não são. Essas são as causas da humanidade, da dignidade humana, do respeito e consideração por todas as pessoas — afirmou Barroso.

O Globo