Bolsonarismo deixa marcas no ideário popular
Foto: Cristiano Mariz
O nível de confiança da população no Supremo Tribunal Federal (STF) e na Justiça Eleitoral recuou desde setembro do ano passado, diante de ataques do ex-presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores e em meio a um crescente protagonismo dos órgãos do Poder Judiciário. De acordo com a nova edição da pesquisa “A Cara da Democracia”, 60% afirmam confiar “pouco”, “mais ou menos” ou “muito” no STF.
A taxa é quatro pontos percentuais inferior aos 64% registrados no levantamento anterior do Instituto da Democracia (IDDC-INCT), feito em setembro do ano passado — o que representa uma oscilação negativa no limite da margem de erro estimada para os dois estudos, de dois pontos percentuais para mais ou menos.
Por outro lado 36% declaram não confiar “nem um pouco” no Supremo, contra 32% que diziam o mesmo um ano atrás. O atual nível de desconfiança faz com que o STF seja tão desacreditado quanto o Congresso Nacional, considerando a margem de erro estimada em dois pontos percentuais para mais ou menos. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal são tidos como nada confiáveis por 39% dos brasileiros.
A Justiça Eleitoral, antes vista como confiável em alguma medida por 72% dos brasileiros, também viu sua imagem enfraquecer. Hoje 69% da população manifesta confiança na instituição. A taxa de desconfiança, por outro lado, cresceu de 26% para 31% desde setembro de 2022.
O declínio na confiança nessas instituições ocorre após recorrentes ataques do ex-presidente Jair Bolsonaro ao Poder Judiciário. Nas celebrações oficiais ao 7 de Setembro do ano passado, o então chefe do Executivo disse que “todos sabem o que é o STF”, abrindo espaço para vaias de seus apoiadores à Corte, e fez uma ameaça velada em cima de um trio elétrico:
— É obrigação de todos jogarem dentro das quatro linhas da constituição. Com a minha reeleição, nós traremos para as quatro linhas todos aqueles que ousam ficar fora dela — declarou Bolsonaro, diante de diversos cartazes com críticas ao STF e até pedidos de intervenção militar na Corte.
O tom de campanha do 7 de Setembro de 2022 é objeto de ação que apura, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), suposto abuso de poder político e econômico da chapa formada por Bolsonaro e pelo general Braga Netto. A Corte condenou, em junho, o ex-presidente à inelegibilidade por conta de outro processo, que investigou ataques do ex-presidente às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral.
Bolsonaro também está na mira do STF, que há um mês abriga o ex-advogado do presidente Lula, Cristiano Zanin. O ex-presidente e pessoas de seu círculo próximo aparecem em investigações conduzidas nos inquéritos das milícias digitais, das fake news e dos atos golpistas.
O professor de ciência política Lucio Rennó, da Universidade de Brasília (UnB), avalia que o recuo na confiança da população nessas instituições reflete o alcance do discurso bolsonarista de questionar esses atores políticos.
— Existe um mecanismo de reforço entre a posição crítica do Bolsonaro a essas instituições e as percepções da população, em que uma parte considerável tem pré-disposição a acatar esse componente mais autoritário. Há uma sinalização clara de que há problemas com o funcionamento da democracia no Brasil. Ainda existem desafios muito grandes para enfrentar, e negar isso é tentar tapar o sol com a peneira. Não se pode ignorar que de fato existem problemas com a nossa democracia e os acontecimentos pós-eleições deixaram claro o grau de radicalismo que isso pode atingir no Brasil.
A pesquisa “A Cara da Democracia” foi feita com 2.558 entrevistas presenciais de eleitores em 167 cidades, de todas as regiões do país, entre 22 e 29 de agosto. O levantamento é financiado pelo CNPq, Capes e Fapemig e é feito pelo Instituto da Democracia (IDDC-INCT), que reúne pesquisadores das universidades UFMG, Unicamp, UnB e Uerj. A margem de erro é estimada em dois pontos percentuais para mais ou menos e o índice de confiança é de 95%.