Bolsonaro pediu ‘estudo’ pra justificar golpe

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Foto: Reprodução/TV Câmara Distrital

E-mail da equipe de ajudantes de ordens da Presidência aponta um encontro do ex-presidente Jair Bolsonaro com os comandantes das Forças Armadas, o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, e o general Braga Netto no dia 14 de novembro de 2022, quinze dias após o segundo turno da eleição. A reunião, que não constou na agenda oficial do ex-presidente, teria ocorrido no Palácio da Alvorada. Dois dias depois, o ex-auxiliar de Bolsonaro Mauro Cid recebeu um estudo sobre o “poder moderador” de militares, tese adotada por bolsonaristas para justificar uma intervenção.

Segundo a delação de Cid, revelada pela colunista Bela Megale, Bolsonaro se encontrou com a cúpula das Forças Armadas e os integrantes do governo da ala militar após as eleições para discutir detalhes de uma minuta golpista. Não é possível dizer, contudo, se o documento tratado na reunião tenha alguma relação com o encontrado no celular do tenente-coronel. Também não há informações se o relato de Cid diz respeito a esse encontro específico.

Na ocasião, o então comandante da Marinha, o almirante Almir Garnier Santos, teria dito a Bolsonaro que sua tropa estava pronta para aderir a um chamamento do então presidente. Nos e-mails trocados que tratam da agenda do dia 14, não há menção nominal aos comandantes, mas as três Forças eram chefiadas na ocasião pelo almirante Garnier (Marinha), pelo general Marco Antônio Freire Gomes (Exército) e pelo tenente-brigadeiro do ar Baptista Junior (Aeronáutica).

Os e-mails também registram um outro encontro fora da agenda oficial de Bolsonaro com Garnier, o então chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, o ministro Paulo Sérgio Nogueira e o então assessor especial para Assuntos Internacionais, Filipe Martins, no dia 18 de dezembro de 2022. As agendas estão sendo analisadas pelos integrantes da CPMI do 8 de janeiro.

Em um depoimento que consta na sua delação, Cid relatou que Martins entregou a Bolsonaro uma minuta de decreto que previa a convocação de novas eleições e a prisão de adversários. A informação foi revelada pelo UOL. Segundo a reportagem, Bolsonaro recebeu em mãos o texto, mas não manifestou a sua opinião sobre a trama golpista.

Ainda de acordo com a reportagem, na delação Cid teria dito que, na ocasião em que plano golpista foi apresentado, ou seja, logo após as eleições, o comando do Exército afirmou que não aceitaria a iniciativa.

Além do documento sobre o poder moderador, no dia 16 de novembro Cid também recebeu outros dois documentos que tratam sobre a prerrogativa das Forças Armadas na “garantia dos poderes constitucionais” e a possibilidade de “decretação do estado de defesa ou de sítio”.

“Entende-se que a GPC (garantia dos poderes constitucionais) ocorre em situações de não normalidade, caracterizada pela intervenção da União nos Estados ou no Distrito Federal, ou pela decretação do estado de defesa ou do estado de sítio. Essas possibilidades possuem enquadramento no texto constitucional, e o emprego das Forças Armadas seria regulado a partir de um decreto presidencial (legalidade). Essas possibilidades são as apontadas pela doutrina majoritária como sendo o emprego da FA em GPC”, diz o estudo encontrado pela PF no celular de Cid.

O conteúdo do material chamou a atenção dos investigadores, que o elencou no inquérito das milícias digitais.

O texto é oriundo de um artigo científico apresentado à Escola de Comando e Estado Maior do Exército, em 2017. Ele foi enviado a Cid pelo tenente-coronel Marcelino Haddad. Ao GLOBO, o militar afirmou que foi o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro quem lhe pediu para enviar o documento em novembro de 2022. Segundo Haddad, o texto não trata de um golpe de Estado, mas de questões doutrinárias para a defesa do Estado Democrático de Direito com base em artigos da Constituição.

Os detalhes sobre o suposto plano golpista são considerados a principal novidade da delação de Cid, que está em segredo de Justiça. A apuração sobre a ofensiva está menos avançada na PF em comparação com os casos que apuram irregularidades na venda de joias e nos cartões de vacina de Bolsonaro e aliados e, por isso, é a linha em que Cid teria mais a contribuir com informações.

Em nota, a defesa de Cid afirmou que “não tem os referidos depoimentos, que são sigilosos, e por essa mesma razão não confirma seu conteúdo”.

Em um dos depoimentos prestados no âmbito da delação premiada firmada junto à Polícia Federal (PF), o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, relatou uma reunião do ex-presidente com a cúpula das Forças Armadas e ministros da ala militar de seu governo para discutir detalhes de uma minuta que abriria possibilidade para uma intervenção militar. O encontro, revelado pela colunista do GLOBO Bela Megale, aconteceu nas semanas seguintes ao segundo turno das eleições do ano passado, no qual Bolsonaro foi derrotado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O documento debatido naquela ocasião, no entanto, não foi o único texto de teor golpista a rondar o ex-chefe do Executivo e seus aliados mais próximos após o revés nas urnas.

A primeira minuta a vir à tona foi encontrada na casa de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro. Ele foi preso no início do ano, depois dos ataques antidemocráticos de 8 de janeiro em Brasília, sob acusação de leniência com os extremistas — ele ocupava, à época, o posto de secretário de Segurança Pública do Distrito Federal.

O documento achado por agentes da PF com Torres orientava a decretação de estado de defesa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e dava poderes a Bolsonaro para interferir na atuação da Corte — o que é flagrantemente inconstitucional. O texto fazia referências explícitas à corrida ao Palácio do Planalto. Ele dizia, por exemplo, que a medida teria por objetivo preservar “a lisura e correção do processo eleitoral presidencial do ano de 2022”.

A minuta sugeria ainda a suspensão do “sigilo de correspondência e de comunicação telemática e telefônica” de magistrados do TSE, presidido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, um dos principais desafetos do ex-chefe do Executivo. Se colocado em prática, a medida golpista criaria uma “Comissão de Regularidade Eleitoral” chefiada pelo Ministério da Defesa.

A minuta encontrada na casa Torres previa até mesmo o controle do “acesso às dependências do Tribunal Superior Eleitoral”. O texto frisava ainda que “entende-se como sede” do TSE “todas as dependências onde houve tramitação de documentos, petições e decisões acerca do processo eleitoral presidencial de 2022, bem como o tratamento de dados telemáticos específicos de registro, contabilização e apuração dos votos coletados por urnas eletrônicas em todas as zonas e seções disponibilizadas em território nacional e no exterior”. O documento também abria a possibilidade de que a validade das determinações fosse estendida “às sedes dos Tribunais Regionais Eleitorais”.

A PF também localizou textos semelhantes, mas diferentes do conteúdo mantido por Torres, nos celulares do próprio Mauro Cid, onde havia, por exemplo, a minuta de um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e alguns “estudos” que, segundo os investigadores, eram destinados a dar suporte a um eventual golpe de estado. Um decreto de GLO só é possível, segundo a legislação brasileira, nos casos em que há o esgotamento das forças tradicionais de segurança pública, em graves situações de perturbação da ordem.

O documento encontrado no telefone de Cid sugeria também a decretação do Estado de Sítio, uma das medidas mais extremadas previstas na Constituição para situações excepcionais, como em caso de guerra.
”Afinal, diante de todo o exposto e para assegurar a necessária restauração do Estado Democrático de Direito no Brasil, jogando de forma incondicional dentro das quatro linhas, com base em disposições expressas da Constituição Federal de 1988, declaro o Estado de Sítio; e, como ato contínuo, decreto Operação de Garantia da Lei e da Ordem”, afirmava o texto.

Ainda não se sabe se o conteúdo mantido por Cid tem relação direta com a reunião citada por ele no âmbito da delação premiada, na qual também teria sido debatida a elaboração de documentos similares. Segundo o tenente-coronel, durante o encontro, o então comandante da Marinha, o almirante Almir Garnier Santos, teria dito a Bolsonaro que sua tropa estaria pronta para aderir a um chamamento golpista do então presidente. Já o comando do Exército afirmou, naquela ocasião, que não embarcaria no plano.

O Globo 

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