Bolsonaro recebeu avalanche de minutas golpistas

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Foto: Isac Nóbrega/PR

Em um dos depoimentos prestados no âmbito da delação premiada firmada junto à Polícia Federal (PF), o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, relatou uma reunião do ex-presidente com a cúpula das Forças Armadas e ministros da ala militar de seu governo para discutir detalhes de uma minuta que abriria possibilidade para uma intervenção militar. O encontro, revelado pela colunista do GLOBO Bela Megale, aconteceu nas semanas seguintes ao segundo turno das eleições do ano passado, no qual Bolsonaro foi derrotado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O documento debatido naquela ocasião, no entanto, não foi o único texto de teor golpista a rondar o ex-chefe do Executivo e seus aliados mais próximos após o revés nas urnas.

A primeira minuta a vir à tona foi encontrada na casa de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro. Ele foi preso no início do ano, depois dos ataques antidemocráticos de 8 de janeiro em Brasília, sob acusação de leniência com os extremistas — ele ocupava, à época, o posto de secretário de Segurança Pública do Distrito Federal.

O documento achado por agentes da PF com Torres orientava a decretação de estado de defesa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e dava poderes a Bolsonaro para interferir na atuação da Corte — o que é flagrantemente inconstitucional. O texto fazia referências explícitas à corrida ao Palácio do Planalto. Ele dizia, por exemplo, que a medida teria por objetivo preservar “a lisura e correção do processo eleitoral presidencial do ano de 2022”.

A minuta sugeria ainda a suspensão do “sigilo de correspondência e de comunicação telemática e telefônica” de magistrados do TSE, presidido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, um dos principais desafetos do ex-chefe do Executivo. Se colocado em prática, a medida golpista criaria uma “Comissão de Regularidade Eleitoral” chefiada pelo Ministério da Defesa.

A minuta encontrada na casa Torres previa até mesmo o controle do “acesso às dependências do Tribunal Superior Eleitoral”. O texto frisava ainda que “entende-se como sede” do TSE “todas as dependências onde houve tramitação de documentos, petições e decisões acerca do processo eleitoral presidencial de 2022, bem como o tratamento de dados telemáticos específicos de registro, contabilização e apuração dos votos coletados por urnas eletrônicas em todas as zonas e seções disponibilizadas em território nacional e no exterior”. O documento também abria a possibilidade de que a validade das determinações fosse estendida “às sedes dos Tribunais Regionais Eleitorais”.

A PF também localizou textos semelhantes, mas diferentes do conteúdo mantido por Torres, nos celulares do próprio Mauro Cid, onde havia, por exemplo, a minuta de um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e alguns “estudos” que, segundo os investigadores, eram destinados a dar suporte a um eventual golpe de estado. Um decreto de GLO só é possível, segundo a legislação brasileira, nos casos em que há o esgotamento das forças tradicionais de segurança pública, em graves situações de perturbação da ordem.

O documento encontrado no telefone de Cid sugeria também a decretação do Estado de Sítio, uma das medidas mais extremadas previstas na Constituição para situações excepcionais, como em caso de guerra.
”Afinal, diante de todo o exposto e para assegurar a necessária restauração do Estado Democrático de Direito no Brasil, jogando de forma incondicional dentro das quatro linhas, com base em disposições expressas da Constituição Federal de 1988, declaro o Estado de Sítio; e, como ato contínuo, decreto Operação de Garantia da Lei e da Ordem”, afirmava o texto.

Ainda não se sabe se o conteúdo mantido por Cid tem relação direta com a reunião citada por ele no âmbito da delação premiada, na qual também teria sido debatida a elaboração de documentos similares. Segundo o tenente-coronel, durante o encontro, o então comandante da Marinha, o almirante Almir Garnier Santos, teria dito a Bolsonaro que sua tropa estaria pronta para aderir a um chamamento golpista do então presidente. Já o comando do Exército afirmou, naquela ocasião, que não embarcaria no plano.

O Globo