Começa xororô previsível pela morte da Lava Jato

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Foto: Carlos Moura/SCO/STF

Procuradores da República e advogados manifestaram estranhamento com a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, que anulou todas as provas do acordo de leniência da Odebrecht na Operação Lava-Jato. De acordo com o ministro, que considerou as provas “imprestáveis”, a anulação vale para todos os processos, administrativos ou judiciais, derivados dessas provas.

O procurador Ubiratan Cazetta, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), afirmou ao Valor que aguarda do STF, ou mesmo de Toffoli, um detalhamento sobre a decisão, que segundo ele cria insegurança jurídica e que pode provocar danos à União.

“É preciso deixar claro a extensão da decisão, para que não haja um alcance maior do que deveria. Não se pode colocar todo o trabalho em suspeição”, afirmou.

Cazetta cita especificamente trechos da decisão em que Toffoli diz que a Lava-Jato praticou “uma verdadeira tortura psicológica, um pau de arara do século XXI, para obter ‘provas’ contra inocentes” e diz que o país precisa fazer um debate sério sobre a investigação, que provocou uma hecatombe no mundo político. “A operação não foi linda e maravilhosa, há falhas e erros. Nem foi uma completa armação”, disse. “O que vamos fazer com os crimes confessados e os bilhões repatriados?”.

Desde 2014, quando foi deflagrada a primeira fase da Lava-Jato, o Ministério Público Federal (MPF) fechou 49 acordos de leniência e 159 de delação premiada, prevendo a devolução de mais de R$ 25 bilhões aos cofres públicos. Segundo o MPF, 19 acordos de leniência e 130 de delação foram celebrados pela extinta força-tarefa do Paraná. A instituição não aponta quanto de fato foi recuperado, já que os acordos de leniência preveem que as empresas podem efetuar os pagamentos por mais de duas décadas.

No caso da Odebrecht, além do acordo de leniência (firmado pela pessoa jurídica), 77 executivos formalizaram acordos de delação premiada (previsto para pessoa física). “Essas pessoas foram gravadas, ouvidas pelo Ministério Público Federal e depois prestaram depoimentos separados ao STF, que homologou todos os acordos. Não se pode usar a palavra tortura nesse caso”, ressaltou Ubiratan Cazetta.

Para a advogada constitucionalista Vera Chemim, a decisão promove uma “grave insegurança jurídica”. Com base em prova que considera ilícita – mensagens hackeadas na Vaza-Jato -, que fez com que se comprovassem atos ilegais de agentes públicos, a decisão, conta ela, vai promover um rol infinito de impunidade dos demais réus envolvidos no acordo da Odebrecht.

“Vai gerar um verdadeiro efeito dominó”, diz a constitucionalista, observando que, no caso, essa prova ilícita não poderá ser aproveitada para condenar aqueles agentes públicos. “De acordo com a doutrina majoritária e a jurisprudência, prova ilícita só pode ser utilizada para beneficiar réus, no caso do atual presidente e outros réus que, seguramente, irão ajuizar ações para a obtenção do mesmo resultado positivo”, afirma.

Outro efeito da decisão, de acordo com ela, poderá ser o risco de a União ser obrigada a devolver valores arrecadados pela operação, incluindo aqueles réus que chegaram a confessar “inquestionáveis práticas ilegais”.

Procuradores ouvidos pelo Valor, alguns deles atuantes na Lava-Jato, estranharam na decisão de Toffoli a ausência de qualquer menção a uma sindicância realizada no Ministério Público Federal (MPF), a pedido da Corregedoria, sobre os acordos de cooperação internacional – teriam sido mais de 200 – firmados no âmbito da investigação. A procuradora Raquel Branquinho foi destacada para fazer essa revisão, que não teria encontrado falhas. A sindicância foi encaminhada ao STF na atual gestão do procurador-geral da República, Augusto Aras, e permanece sob sigilo.

Aras, aliás, divulgou um texto em suas redes sociais nessa quinta-feira (7) elogiando a decisão de Toffoli, mas sem citá-lo: “Fui acusado de destruir a Lava-Jato (…). Hoje, a sociedade enxerga seu verdadeiro legado maldito”.

O cerne da decisão do ministro do STF já havia sido abordado anteriormente por Ricardo Lewandowski, ministro que se aposentou do STF no primeiro semestre deste ano e que relatava a reclamação antes de Toffoli assumi-la: trata sobre as comunicações realizadas entre autoridades, que devem ser realizadas sempre pelos meios e formas que garantam a chamada cadeia de custódia da prova, ou seja, a sua devida documentação nos autos.

Na decisão, o ministro Dias Toffoli diz que não foi encontrado no DRCI, órgão do Estado brasileiro que realiza as cooperações internacionais, ligado ao Ministério da Justiça, nenhum registro do pedido referente ao acordo da Odebrecht. Para procuradores, essas informações estariam presentes na sindicância do MPF mantida em sigilo.

O debate sobre o uso das provas via acordos de cooperação internacional chegou a aparecer nas mensagens do caso conhecido como Vaza-Jato, que expôs as conversas de procuradores e juízes da força-tarefa de Curitiba e que estão sendo usadas até hoje para contestação – a decisão de Toffoli vem nesse contexto.

Em março de 2015, segundo a Vaza-Jato, Deltan Dellagnol conversa com o também procurador Vladimir Aras, à época responsável pela secretaria de cooperação internacional da PGR, sobre uma eventual cooperação fora do DRCI que o primeiro queria utilizar em uma cautelar. “A questão é de legalidade interna. Queria que houvesse cooperação direta (pura), mas ainda não é possível”, responde Aras a Dellagnol.

Vladimir Aras não quis se manifestar por considerar as mensagens da Vaza-Jato uma “prova ilícita”. Já o ex-procurador e ex-deputado Dellagnol, em texto no jornal “Gazeta do Povo”, disse que Toffoli “torturou os fatos”.

Valor Econômico