Em livro, Cid prega aproximação com doadores de joias

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Foto: Reprodução/Alan Santos / PR/Divulgação

Um dos auxiliares mais próximos de Jair Bolsonaro durante os quatro anos de governo, o tenente-coronel Mauro Cid se especializou no Exército em assuntos internacionais relacionados ao Oriente Médio. Em abril de 2022, ele publicou um livro no qual aponta a falta de clareza da política externa brasileira “em relação ao multilateralismo” e defende a maior presença do país no Oriente Médio, incluindo o envio de tropas brasileiras ao Oriente Médio no mesmo molde da missão de paz realizada no Haiti.

Segundo Cid, o objetivo seria a “projeção do Brasil” no “cenário internacional”, “aumento dos salários militares” e de investimentos na indústria bélica, e “maior alinhamento entre a política externa do país e as agendas de defesa”.

O livro, cujo título é “O Brasil no Oriente Médio”, foi prefaciado pelo ex-chanceler Carlos França e inclui declarações dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e de seu então chefe, Jair Bolsonaro. A obra nasceu de uma tese acadêmica apresentada por Cid à Escola de Comando do Estado Maior do Exército para obter o doutorado em Ciências Militares.

Ao fazer um panorama sobre a política externa dos últimos governos brasileiros, Cid diz que a gestão Bolsonaro “apresentou um discurso pouco claro em relação ao multilateralismo”.

“O governo de Dilma Rousseff caracterizou-se por uma indefinição quanto à política externa e uma diminuição do peso do Itamaraty. Com isso, o Brasil perdeu o pratogonismo externo da primeira década do século. Essa postura se manteve no governo Michel Temer (2016-2018), e o governo atual do presidente Jair Bolsonaro tanto não indicou uma intenção de revitalização, como tem apresentado um discurso pouco claro em relação ao multilateralismo”, diz o texto.

No trecho em que trata sobre o relacionamento do Brasil com as nações do Oriente Médio, o militar afirma que a promessa de Bolsonaro de transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém — feita no início da gestão — “não foi bem recebida” pelos países da região. “Assunto de grande relevância e que gerou certo desconforto internacional”, escreve ele.

Nesse contexto, afirma, os encontros do ex-presidente com o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, serviram para remediar o desconforto com as autoridades árabes e desenvolver as “relações políticas e econômicas” entre Arábia Saudita e Brasil.

Foi o príncipe saudita quem presenteou Bolsonaro com ao menos dois kits de joias, incluindo um relógio Rolex que mais tarde seria vendido por Cid nos Estados, segundo investigação da Polícia Federal. O ex-ajudante de ordens é alvo de um inquérito que apura o suposto desvio de joias e relógios do acervo da Presidência. Ele fechou um acordo de delação premiada com a PF — homologado pela Justiça — para fornecer mais detalhes sobre o caso.

“Mesmo com as repercussões negativas da intenção de mudança da embaixada para Jerusalém, a aproximação com os principais líderes do Oriente Médio foi exitosa e ficaram convencidos da competência e da capacidade do Brasil, principalmente do agronegócio para garantir a segurança alimentar”, escreveu Cid.

No livro, de 326 páginas, Cid destaca que uma missão de paz no Oriente Médio — mais especificamente, no Líbano — seria uma oportunidade para o Brasil retomar a sua boa relação com a ONU, que foi desgastada durante o governo Bolsonaro — como o próprio Cid reconhece.

“Se soma o fato de (o país) estar com uma grande dívida para com a própria ONU, bem como os diversos atritos que o atual Presidente (Bolsonaro) e seu governo tiveram com a Organização desde a campanha eleitoral. Não menos importante, em 2019, houve um distanciamento de preceitos tradicionais, como multilateralismo e cooperação internacional, voltando-se para uma perspectiva nacionalista e bilateral, deixando de valorizar a atuação em organismos internacionais”, escreveu Cid nas “Conclusões Parciais” da obra.

Mauro Cid também argumenta que a retomada das missões de paz pelas Forças Armadas poderia contribuir para o país pleitear um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.

Ao tratar do assunto, ele destaca frase do Lula sobre a diretriz de tentar uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU. Essa é uma bandeira antiga do atual presidente. “Contribuir para a busca de maior equilíbrio internacional, procurando atenuar o unilateralismo; fortalecer relações bilaterais e multilaterais de forma a aumentar o peso do país nas negociações políticas e econômicas internacionais (…) campanha pela reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, visando um lugar de membro permanente para o Brasil (Lula da Silva, 2003)”, diz o trecho.

Cid ainda incluiu no livro parte do discurso de Bolsonaro dado na abertura da Assembleia Geral da ONU de 2019 sobre a importância das missões de paz. “Apoiamos todos os esforços para que essas missões se tornem mais efetivas e tragem benefícios reais e concretos para os países que as recebem.”

Em suas conclusões finais, o tenente-coronel faz um balanço de que vale a pena o governo brasileiro investir em novas missões de paz pelo mundo.

“Conclui-se, portanto, que um emprego de tropas terrestres em uma missão de paz da ONU no Oriente Médio traria grandes resultados para o país, assim como foi para o Haiti”.

O Globo