EUA e Europa têm sigilo em Supremas Cortes
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O barulho provocado pela fala de Lula em defesa do voto sigiloso de ministros do Supremo é desproporcional e, na verdade, irresponsável. Certas lorpas decidiram tratar o presidente como se ele tivesse feito um daqueles ataques à democracia que notabilizaram o golpista que o antecedeu. E, claro!, alguns “especialistas” decidiram dar a sua contribuição ao erro. Será mesmo que a Constituição impõe a publicidade? Vamos ver.
Opus-me à transmissão de sessões do STF desde o primeiro dia — tanto pior com Internet. A razão é simples. A medida do sucesso dessas práticas é a audiência. Ocorre que, muitas vezes, um tribunal tem de fazer o que as maiorias da hora não querem. Se os magistrados cumprem a sua missão, podem ficar expostos, como temos visto, a reações indesejadas, até violentas. Se cedem à pressão, aí quem perde é a Justiça — e, portanto, o conjunto dos brasileiros. Mais: a transmissão despertou em muitos a vocação para o histrionismo. E não foi assim tão raro vermos a paixão pelo espetáculo tomar o lugar da paixão pela lei.
Há muitos anos defendo que não se conheçam as posições individuais. Temos de saber qual é a posição da corte e pronto!, sem expor ninguém. Foi o que disse Lula, e ele está certo. Assim é, por exemplo, no Reino Unido, na França, na Austrália, na Holanda. Mesmo nos EUA, conhece-se a tese com a qual se alinharam os membros do tribunal, mas não as minudências. E se dispensa o “Big Brother” das togas.
O mandatário limitou-se a dar uma opinião. E tem todo o direito de fazê-lo. Tentar comparar sua fala e suas lives com as pregações golpistas de Bolsonaro é de uma vigarice sem limites. De resto, a tese de que a Carta impõe a publicidade é falsa. Vamos ao que diz o Inciso IX do Artigo 93:
“Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”.
Também é o que dispõe o Artigo 11 do Código de Processo Civil, a saber:
“Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.
Parágrafo único. Nos casos de segredo de justiça, pode ser autorizada a presença somente das partes, de seus advogados, de defensores públicos ou do Ministério Público.”
Isso só quer dizer, e tão-somente isto, que inexiste julgamento secreto no Brasil. Aliás, inexiste nas democracias. Porque tal segredo implicaria que nem mesmo a pessoa condenada saberia por que e como foi colhida pela punição. Isso lembraria tribunal do crime organizado.
“Julgamento público” não é sinônimo de publicidade das sessões do tribunal ou do posicionamento de cada integrante da corte. É “público” porque submetido às regras do estado de direito. Não se trata de um arranjo entre privados. Será que se pode dizer que há “julgamentos secretos” no Reino Unido, na França e na Holanda? Seriam, pois, ditaduras comparáveis à Coreia do Norte, por exemplo? Isso é ridículo.
Ainda que só se soubesse da decisão final do tribunal, estar-se-ia cumprindo o Inciso IX do Artigo 93 da Constituição e o Artigo 11 do Código de Processo Civil. Um “julgamento público” e uma “decisão fundamentada” não são, em absoluto, incompatíveis com a decisão do tribunal em seu conjunto.
Voltem aos dois diplomas citados: em determinadas circunstâncias, a palavra “públicos” pode ter sentido mais restrito do que se entende usualmente, certo?
AINDA QUE FOSSE…
Mas digamos que se force a barra para entender que é como dizem por aí. Trata-se, por acaso, de cláusula pétrea? A disposição não poderia ser mudada por uma emenda? Lula emitiu, insista-se, uma opinião. Não resolveu patrocinar uma PEC ou qualquer outro instrumento para mudar o que está em curso
A verdade é que extrema-direita que ronca e fuça e alguns setores da imprensa mais afeitos à estridência oca do que ao debate veem um STF, hoje, com poderes excessivos. Gostariam de tolher a ação do tribunal. A simples conjectura de que a corte possa tomar decisões sem que seus integrantes estejam submetidos à patrulha lhes soou como uma ameaça àquilo que entendem por “liberdade”.
Não por acaso, Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, assim se manifestou ao ser indagado a respeito:
“É difícil você avaliar a posição de outras pessoas sem você ter conversado com elas sobre. O que nós estamos vendo é um posicionamento firme de um monte de juristas, inclusive ex-ministros, muito contra. Você já tem uma Suprema Corte com muita visibilidade. Agora, você vai ter ela com muita visibilidade sem saber como é que estão votando? O princípio da transparência, que é tão exigido no televisionamento das decisões, vai ficar ofuscado. Mas longe de mim saber quais são os motivos que foram tratados para dar uma declaração como essa”.
Nota-se que não expressa exatamente uma opinião entusiasmada sobre o Supremo. Tem lá a sua graça o arquiteto do “Orçamento Secreto” evocar as questões da transparência. De resto, sugere “motivos que foram tratados para dar uma declaração como essa”.
Não há conspiração nenhuma. Quem dera, não é?, também a distribuição de emendas fosse submetida ao Artigo 37 da Lei Maior:
“A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (…)”
ENCERRO
1: Tratou-se apenas de uma opinião;
2: são muitas as democracias em que a sociedade fica sabendo o posicionamento da corte, sem que os ministros fiquem expostos;
3: o sigilo não agrediria o que dispõe o Inciso IX do Artigo 93 da Constituição, uma vez que o julgamento continuaria público;
4: questões que realmente mobilizam a opinião pública poderiam até ser televisionadas, com a manifestação de Ministério Público, advogados etc., mas não a votação;
5: a sociedade e a contenção dos ânimos ganharia com deliberações da corte, sem detalhamento voto a voto;
6:os reaças podem ficar tranquilos: isso é tão bom que não vai acontecer;
7: e uma última observação: os que se opõem ao governo poderiam ao menos arrumar uma agenda alternativa para combatê-lo. Evitariam, assim, a escandalização do nada.