Lulistas e bolsonaristas têm visões opostas, diz estudo

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Foto: André Mello

Eleitores mais simpáticos ao presidente Lula e aqueles que declaram gostar muito do ex-presidente Jair Bolsonaro têm identidades políticas bem delimitadas, com visões de mundo opostas em pautas como o papel da democracia, mas também compartilham alguns pensamentos em comum. É o que mostram os resultados da mais recente pesquisa “A Cara da Democracia”, feita entre 22 e 29 de agosto pelo Instituto da Democracia (IDDC-INCT), com financiamento de CNPq, Capes e Fapemig.

A aproximação de opiniões prevalece em temas nos quais os brasileiros em geral pendem mais para posições conservadoras em agendas de costumes. O levantamento aponta que, mesmo entre os eleitores que dizem gostar muito de Lula, a maioria é contra legalizar as drogas (71%) e o aborto (77%). Esse grupo é menor, se comparado ao percentual que atinge no universo dos que gostam muito de Bolsonaro, mas representa a visão majoritária nessa faixa do eleitorado. Entre os mais simpáticos ao ex-presidente, os contrários à legalização do aborto atingem 90%, enquanto 83% dizem o mesmo sobre as drogas.

Recentemente, o voto do ministro Cristiano Zanin, indicado por Lula ao Supremo Tribunal Federal (STF), contra a descriminalização do porte pessoal da maconha desagradou a militância petista e apoiadores de Lula mais à esquerda. O tema da ação, delimitada na maconha, não é exatamente o mesmo da pesquisa, que perguntou sobre legalizar todas as drogas, mas os dados apontam para uma tendência conservadora mesmo na base do atual presidente.

As duas faixas do eleitorado rejeitam, por outro lado, a prisão mulheres que interrompam a gravidez. Esse índice é de 65% entre quem gosta de Lula, e de 53% entre quem simpatiza com Bolsonaro.

Pesquisa "A Cara da Democracia": opiniões divergentes e convergentes de eleitores que gostam muito de Lula e Bolsonaro — Foto: Arte / O Globo

A redução da maioridade penal é outro tópico em que os dois lados concordam. Entre quem gosta muito de Lula, 62% se dizem a favor da medida, enquanto 77% dos eleitores pró-Bolsonaro declaram o mesmo.

O professor e pesquisador do Laboratório de Estudos da Mídia e Esfera Pública (Lemep), do Iesp/Uerj, João Feres Júnior, pondera que o posicionamento dominante dos brasileiros varia de acordo com o tema e que há, nos últimos anos, mudanças no apoio a pautas como igualdade de gênero e direitos LGBT+. Por outro lado, a legalização do aborto e das drogas geram oposição majoritária.

Pesquisa "A Cara da Democracia": as visões de eleitores mais simpáticos a Lula e Bolsonaro — Foto: Arte / O Globo

— A sociedade brasileira é, e sempre foi, bastante conservadora em vários aspectos. Primeiramente, ela é fortemente cristã. Assim, por exemplo, católicos e protestantes conservadores rejeitam o aborto. Ela também é bastante desinformada em relação às drogas — analisa.

Os dados da pesquisa mostram um comportamento divergente dos segmentos pró-Lula e pró-Bolsonaro quando o assunto é direitos da população LGBTQIA+. Os mais simpáticos ao petista apoiam em peso o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo (60% a favor e 38% contra) e a adoção por essas famílias (63% a favor e 35% contra). Já entre os mais identificados com o ex-candidato do PL os percentuais são invertidos: 69% são contra o casamento civil de gays e lésbicas, e 60% se opõem à adoção por esses casais.

Pesquisa "A Cara da Democracia": opiniões de eleitores que gostam muito de Lula e Bolsonaro — Foto: Arte / O Globo

Na pauta moral, a distância entre os polos fica evidente ainda em relação à pena de morte. Os que gostam de Lula são contrários (64%) a essa sentença, enquanto os apoiadores de Bolsonaro se dividem: 49% defendem a pena de morte e 47% não.

A discrepâncias entre os dois segmentos fica mais exacerbada em perguntas sobre a preferência pela democracia, que trazem alertas para as instituições brasileiras. Simpáticos a Bolsonaro admitem, por exemplo, mais outras formas de governo que não a democracia (40%, ante 33% entre quem gosta muito de Lula) e seguem desacreditando nos resultados das eleições presidenciais de 2022 (72% dizem que foi Bolsonaro quem ganhou o pleito). Também consideram justificável, em maior proporção, militares tomarem o poder quando há muita corrupção (73%). Entre simpáticos a Lula, esse índice é de 38%.

Resultados da pesquisa 'A Cara da Democracia' — Foto: Editoria de Arte

Em relação aos atos de 8 de janeiro, 60% responsabilizam Lula e militantes radicais de esquerda, narrativa difundida por lideranças e políticos do campo bolsonarista. Entre os mais simpáticos a Lula, 56% apontam Bolsonaro como principal culpado. Outros 17% citaram grupos radicais de direita.

Professor de ciência política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Leonardo Avritzer vê impacto de um ecossistema de desinformação ativo no campo bolsonarista:

— Na organização brasileira, cada um dos lados da polarização consome sua própria notícia e a divulga no seu próprio gueto informacional. O país perde a ideia de uma opinião pública capaz de se esclarecer com base em fatos. Evidentemente, isso é extremamente grave em uma democracia.

Um dado que reforça essa relação é que 45% dos eleitores que gostam muito de Bolsonaro apontam a imprensa tradicional como principal disseminadora de desinformação no país. Entre os lulistas, esse índice cai para 27%. Para esse segmento, é Bolsonaro e seu grupo político que ocupam a primeira posição (50%).

Um reflexo disso se traduz na crença em algumas teorias conspiratórias. Entre os que gostam muito de Bolsonaro, o índice dos que declaram ser falso que vacinas fazem mais mal que bem a crianças é 12 pontos percentuais menor (67%, contra 79% entre lulistas), embora ainda represente mais da metade dos entrevistados. Esse segmento acredita ainda em uma conspiração global da esquerda para tomar o poder (65%).

O percentual dos que apontam que organizações não-governamentais são as principais responsáveis pelo desmatamento e queimadas também é maior nesse segmento (11%, ante 4% entre simpáticos a Lula). Ainda assim, boa parte dos eleitores que gostam muito do ex-presidente responsabiliza, na contramão do discurso de Bolsonaro, que fazendeiros de grandes propriedades, madeireiros e políticos são os maiores responsáveis por ações antiambientais (19% cada).

Chama atenção o fato de que tanto simpáticos a Lula quanto os que mais gostam de Bolsonaro acreditam, em sua maioria, que a China criou novo coronavírus (53% e 74%, respectivamente). Nos dois grupos, por outro lado, a maioria não acha que a terra é plana (72% dos que gostam de Lula, e 79% dos que veem Bolsonaro mais positivamente).

A pesquisa “A Cara da Democracia” foi feita com 2.558 entrevistas presenciais de eleitores em 167 cidades, de todas as regiões do país. O Instituto IDDC-INCT reúne pesquisadores das universidades UFMG, Unicamp, UnB e Uerj. A margem de erro é estimada em dois pontos percentuais para mais ou menos e o índice de confiança é de 95%.

O Globo