Lulistas temem desemprego e bolsonaristas a corrupção
Foto: Brenno Carvalho
O principal medo da população mudou desde a troca de comando no Palácio do Planalto, indica a nova edição da pesquisa “A Cara da Democracia”, do Instituto da Democracia (IDDC-INCT). Até agosto do ano passado, o temor de uma crise econômica era o que mais inquietava brasileiros, um problema citado por 21% da população. Já hoje, são só 9% os que ainda citam a vida financeira como temor número um. Numericamente, o que mais tira o sono dos brasileiros em 2023 é o desemprego e a corrupção, temas citados por 17% e 16% dos entrevistados, respectivamente.
Entre os eleitores que declaram “gostar muito” de Lula, 20% afirmam que o maior desafio do Brasil é o desemprego, taxa que é de 15% entre os apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. Para esse grupo, o principal problema é a corrupção (25%), enquanto só 11% dos lulistas dizem o mesmo.
Na média nacional, 30% acreditam que aumentou a corrupção no atual governo, contra 40% dizendo que não houve mudança nesse sentido e outros 22% afirmando que a corrupção diminuiu. Já em relação à economia, 45% veem alguma melhora, 29% dizem que nada mudou e 23% afirmam que o quadro econômico do país piorou.
Os eleitores mais simpáticos a Bolsonaro naturalmente tendem a ser mais críticos ao governo Lula. Nesse grupo, há mais gente que acha que a corrupção aumentou do que quem avalia que a economia piorou: 51% a 39%, respectivamente.
Para o professor de ciência política Lucio Rennó, da Universidade de Brasília (UnB), os dados da pesquisa mostram que a polarização entre bolsonaristas e lulistas manifestada no período eleitoral se mantém no país. O docente atribui esse cenário a um “mecanismo de reforço” acionado pelo discurso do ex-presidente, o que se mostra também na queda do nível de confiança geral em instituições como o Supremo Tribunal Federal (STF) e a Justiça Eleitoral, e nos índices de satisfação dos brasileiros com a democracia no país. Hoje, 41% dizem estar satisfeitos com o funcionamento da democracia, e 52% declaram algum nível de insatisfação.
— O índice de insatisfação com a democracia no Brasil se mantém muito elevado, ano após ano, e passa por um processo de retroalimentação com o discurso do Bolsonaro, de crítica às instituições democráticas, que atinge diretamente pessoas que têm predisposição para pensar assim — diz o professor.
A pesquisa revela que metade dos brasileiros (50%) considera que seria justificado os militares tomarem o poder por meio de um golpe de estado caso o país se veja “diante de muita corrupção”, contra 45% que pensam o contrário. No ano passado, os percentuais apareciam praticamente invertidos: 46% apoiavam a hipótese de intervenção militar, e 50% a rechaçava.
— Há uma sinalização clara de que há problemas com o funcionamento da democracia no Brasil. O grau de insatisfação com a democracia é muito alto e integra um pacote maior, de várias questões que estão associadas e dão dimensões de um comportamento favorável ao autoritarismo. Existem desafios muito grandes para enfrentar, e negar isso é tentar tapar o sol com a peneira. Não se pode ignorar que de fato existem problemas com a nossa democracia e os acontecimentos pós-eleições deixaram claro o grau de radicalismo que isso pode atingir no Brasil — analisa Rennó.
A saída de cena do ex-ministro Paulo Guedes (Economia) e sua equipe que defendia o enxugamento do tamanho do estado repercute na avaliação dos brasileiros sobre as privatizações no setor público.
Agora, 29% declaram ser a favor da concessão de empresas estatais à iniciativa privada, taxa que era de 36% em setembro do ano passado. Por outro lado, mais da metade (53%) diz se opor a essa proposta, cinco pontos percentuais acima do registrado no levantamento anterior (48%).
A pesquisa “A Cara da Democracia” foi feita com 2.558 entrevistas presenciais de eleitores em 167 cidades, de todas as regiões do país, entre 22 e 29 de agosto. O levantamento é financiado pelo CNPq e pela Fapemig e é feito pelo Instituto da Democracia (IDDC-INCT), que reúne pesquisadores das universidades UFMG, Unicamp, UnB e Uerj. A margem de erro é estimada em dois pontos percentuais para mais ou menos e o índice de confiança é de 95%.