Por que PF ‘vazou’ reunião golpista de Bolsonaro
Foto: Cristiano Mariz/O Globo
O vazamento de trechos da delação premiada do ex-ajudante de ordens Mauro Cid deixou incomodado o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, que recebeu como missão principal distensionar a relação e dissipar o clima de desconfiança mútua entre as Forças Armadas e o governo Lula.
“Ele está extremamente desconfortável, já que tudo isso é uma sangria que não para”, disse à equipe da coluna um general que tem bom trânsito com o ministro. “A gente está eternamente preso em outubro de 2022 e janeiro de 2023.”
No último 7 de Setembro, Múcio posou para foto ao lado do presidente Lula e dos comandantes das três forças em um esforço para demonstrar um ambiente de pacificação e harmonia durante a tradicional parada militar, em Brasília.
Só que até agora o ministro não conseguiu virar a página dos atos golpistas de 8 de Janeiro, que culminaram com a invasão e a depredação da sede do Congresso, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (STF).
O desconforto de Múcio com a novela Mauro Cid também sido externado em declarações públicas e em conversas reservadas do ministro da Defesa com integrantes do governo Lula, segundo a equipe da coluna apurou.
“Evidente que existe um desconforto, porque isso não se encerra. Esse vazamento a gente fica sem saber se é fato, se não é fato, o que tem de real, a gente não sabe o que está acontecendo. O incômodo é o seguinte: será que isso tudo é verdade, não é verdade?”, disse Múcio à equipe da coluna.
“Gostaríamos que tudo fosse concluído porque interessa às Forças Armadas participar da separação do joio do trigo. Não interessa a nós ficarmos como suspeitos. Do jeito que as coisas estão, quando você fala nas Forças Armadas, parece que todo mundo é suspeito. Às Forças Armadas interessa que tudo seja absolutamente esclarecido. As Forças vivem hoje o incômodo da suspeição.”
O vazamento da delação, além de forçar o ministro a se manifestar publicamente, ainda serviu para dar novo gás à CPI de 8 de Janeiro, que decidiu ouvir na próxima terça-feira o general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Outro general, o ex-ministro da Defesa Walter Braga Netto, vai depor no dia 5 de outubro.
O plano original da CPI, fruto de um acordo que envolveu o governo Lula, Múcio e o Comando do Exército, era ouvir apenas Braga Netto em um esforço para adotar uma “postura prudente” na relação com as Forças Armadas.
O vazamento da delação, no entanto, fez parlamentares lulistas decidirem convocar também Augusto Heleno, criando um novo fato político com potencial de irritar as Forças Armadas.
Augusto Heleno entrou na mira dos parlamentares ao dizer em dezembro do ano passado, após a vitória de Lula, que “bandido” não sobe a rampa do Palácio do Planalto.
O gesto foi interpretado como uma forma de incitar a militância bolsonarista, que já protestava contra a eleição de Lula acampada na porta dos quartéis.
Conforme informou a colunista Bela Megale, Cid disse em sua delação que o o ex-presidente Jair Bolsonaro se reuniu com a cúpula das Forças Armadas e ministros da ala militar de seu governo, no ano passado, para discutir detalhes de uma minuta que abriria possibilidade para uma intervenção militar. O plano golpista impediria a posse de Lula, se tivesse sido colocado em prática.
Na última sexta-feira, Múcio admitiu em entrevista a jornalistas que “percebeu que muita gente não desejava sair do poder”, ao ser indagado sobre a postura ex-comandante da Marinha, almirante Almir Garnier Santos.
Antes, Múcio afirmou que as Forças Armadas estavam “100% ao lado da lei” , mas que o ex-comandante da Marinha não estava.
A delação premiada de Mauro Cid ainda tem outro elemento agravante, ao trazer à tona as acusações de um tenente-coronel do Exército (Mauro Cid) contra um ex-comandante da Marinha, passando a imagem de que uma força está contra a outra.