Racismo de vereador cassado era abrangente
Foto: André Bueno/Rede Câmara
O agora ex-vereador Camilo Cristófaro (Avante), que teve o mandato cassado na Câmara de São Paulo em virtude de uma fala racista — a primeira medida do gênero por esse motivo no país —, já acumulava polêmicas e posturas preconceituosas antes mesmo de ser defenestrado da Casa nesta terça-feira. O político já foi acusado de xingar uma colega parlamentar e foi flagrado ironizando a origem japonesa de outro vereador.
Em 2017, a então vereadora Isa Penna (à época no PSOL, hoje deputada estadual pelo PCdoB) acusou Cristófaro de xingá-la de “vagabunda” e “terrorista”, além de ter ameaçado lhe dar “uns tapas”. A discussão foi presenciada por uma funcionária da Câmara, que confirmou o teor das ofensas machistas. O PSOL chegou a pedir a cassação de Cristófaro já nesta ocasião, mas o caso não avançou.
Um ano depois, em junho de 2018, ele foi flagrado criticando o vereador George Hato (MDB), de origem japonesa, enquanto puxava os olhos com as mãos. Em maio deste ano, afirma Hato, Cristófaro voltou a atacá-lo. O emedebista relatou que o ex-vereador afirmou em voz alta que pretendia “dar um cacete nesse japônes”.
— Me sinto ameaçado por esse vereador, por esse psicopata, que precisa realmente ter uma punição exemplar. Não quero ir às vias de fato. Ele está me ameaçando, já ameaçou mulher, chamou mulher de vagabunda — discursou Hato no plenário da Câmara. Cristófaro negou as acusações.
Em outro episódio de cunho racista, em setembro de 2019, o político chamou o também vereador Fernando Holiday (ex-Novo, hoje PL) de “macaco de auditório”. Em entrevista ao Estadão à época, Holiday se disse ” revoltado”. Já Cristófaro defendeu-se argumentando que apenas usou uma “expressão popular”.
Já o episódio que motivou a cassação, sob gritos de “fora, racista” nas galerias da Câmara, ocorreu no ano passado. Na ocasião, Cristófaro foi ouvido dizendo “é coisa de preto, né?” durante uma sessão da Casa.
Foram 47 votos a favor da cassação, cinco abstenções e nenhum voto contrário. O político virou, assim, o primeiro vereador a perder o mandato por racismo no país. Com a decisão, Cristófaro fica inelegível por oito anos.
Em sua fala, Camilo Cristófaro acusou quem estava na galeria protestando e segurando faixas contra ele de ter recebido dinheiro e cesta básica para realizar o protesto, o que gerou gritos e vaias dos presentes. O presidente da Câmara, Milton Leite (União), chegou a pedir que o vereador não desrespeitasse as pessoas que estavam assistindo.
— Onde estão os movimentos, que eu ando por toda essa cidade nunca fui ofendido por ninguém? Porque nós temos trabalho, estamos nas comunidades — falou Cristófaro.
Advogado de formação e conhecido como Camilinho pelos seus pares, o parlamentar tem o bairro do Ipiranga, na Zona Sul, como seu reduto eleitoral e foi eleito pela primeira vez em 2016, após fazer sucesso com publicações nas redes sociais com críticas ao então prefeito Fernando Haddad (PT). Em 2020, foi reeleito, e usou suas plataformas para mirar no prefeito da vez, João Doria (na época no PSDB).
Cristófaro já passou pelo PFL (atual União Brasil), PL, PT, PSB e agora está no Avante. Em 2018, o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) determinou que ele perdesse o mandato em virtude de uma suposta fraude na captação de recursos para a campanha. Em 2020, contudo, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reverteu a cassação. No mesmo ano, ele acabou reeleito à Câmara, mas com votação menor do que no pleito anterior — 23,4 mil e 29,6 mil votos, respectivamente.
Em um primeiro momento, Cristófaro disse que sua fala, “coisa de preto”, era referente a um fusca preto que pertence a sua coleção de carros antigos. Entretanto, ao participar do colégio de líderes, mudou a versão e contou que, no momento do áudio vazado, estava conversando com um amigo negro e fez uma brincadeira.
“Eu estava com o Chuchu, que é o chefe de gabinete da Sub do Ipiranga, e é negro. Eu comentei com ele, que estava lá. Inclusive no domingo nós fizemos uma limpeza e quando eu cheguei eu falei: ‘Isso aí é coisa de preto, né?’. Falei pro Chuchu, como irmão, porque ele é meu irmão”, disse na ocasião.
Em nota divulgada em 4 de maio, o vereador admitiu que cometeu um erro ao usar o termo e disse que “precisa passar por uma desconstrução desses preconceitos”, afirmando ainda que, “apesar de ter tido uma fala racista”, ele “não é racista em suas atitudes”. Em junho, o vereador foi absolvido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. O juiz do caso considerou que a fala foi extraída de contexto de brincadeira.