Golpismo germina no Congresso

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Lula tem arrancado do Congresso feitos surpreendentes como a Reforma Tributária, da qual a maioria ouve falar desde criança, porque tem poder. Um poder que advém, entre outros fatores, da capacidade de negociar cargos e verbas com um Congresso que, se dependesse de si, derrubaria um presidente que insiste em gastar com pobres…

Confira, abaixo, manobra de um Congresso que visa diminuir o poder de Lula até o quanto for possível. E que, se possível, o mandará embora para ter alguém, em seu lugar, que esqueça a pobreza e a desigualdade.

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A cúpula do Congresso prepara mudanças na distribuição de emendas parlamentares que reduzem ainda mais o poder do presidente Lula (PT) nas negociações políticas com deputados e senadores.

Emenda é a forma como congressistas enviam dinheiro para financiar obras e projetos em seus redutos eleitorais e, com isso, ganham capital político. O Congresso tem avançado nos últimos anos para ampliar cada vez mais o valor dessa verba e assumir o controle sobre ela.

Para o próximo ano, parlamentares influentes já articulam a criação de um novo modelo de divisão dos bilhões de reais e discutem até a criação de mais um tipo de repasse: a emenda de liderança. A ideia é que os líderes de cada partido possam ser responsáveis por essa fatia da verba.

A cota, pelo desenho debatido no Congresso, seria proporcional ao tamanho da bancada partidária. As maiores legendas, como PL e PT, teriam mais dinheiro, pois reúnem mais parlamentares, por exemplo. Mas cardeais da Câmara e do Senado continuariam com uma parcela individual e maior que a do baixo clero.

Os presidentes do Senado e da Câmara, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e Arthur Lira (PP-AL), respectivamente, em sessão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de diplomação do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em Brasília

Congressistas, especialmente do centrão, também querem impor a Lula um cronograma para que o governo libere o dinheiro das emendas para as obras e municípios escolhidos pelos parlamentares.

Hoje não existe uma previsão de quando a emenda será autorizada e, historicamente, os governos usam isso como moeda de troca em negociações com o Congresso. É comum haver um grande volume desses repasses às vésperas de votações de interesse do Palácio do Planalto.

Auxiliares de Lula na articulação política dizem que esse calendário de liberação de emendas reduziria a margem de manobra para acordos em momentos decisivos no plenário da Câmara e do Senado.

No início de julho, em apenas dois dias, Lula bateu recordes e autorizou o repasse de R$ 7,5 bilhões em emendas. O governo enfrentava naquela semana dificuldades para conseguir aprovar projetos na área econômica e a proposta que reformulou toda a Esplanada, inclusive com a criação de novos ministérios.

Lula também sairá enfraquecido se o Congresso aprovar a criação das emendas de liderança, porque o dinheiro para elas deverá sair dos cofres de ministros. Esse novo tipo de emenda tem sido pensado pelo centrão após avaliar que o atual modelo deu influência demais ao governo petista.

Uma série de reportagens da Folha tem mostrado, por exemplo, que a emenda parlamentar amplia o abismo no acesso a água com abandono e desperdício. Na prática, municípios mais necessitados são ignorados, enquanto redutos políticos são abastecidos sem nenhum tipo de critério técnico.

Na gestão de Jair Bolsonaro (PL), o ex-presidente entregou à cúpula do Congresso o comando das extintas emendas de relator, que era a principal barganha política no governo passado. O valor dessas emendas chegou a bater quase R$ 20 bilhões por ano e, após Bolsonaro não se reeleger, o STF (Supremo Tribunal Federal) acabou com esses repasses.

Diante do risco de revolta no Congresso, Lula partiu em busca de um consenso. Metade da verba ficou nas mãos dos parlamentares –na forma de outro tipo de emenda.

A outra metade, equivalente a R$ 9,9 bilhões, foi dividida entre sete ministérios do governo petista, mas com a promessa de que o dinheiro seria usado para atender pleitos de deputados e senadores, portanto, como “emenda extra”, em acordos feitos às escuras.

Isso gerou embates entre o Congresso e o governo. O maior exemplo foi revelado pela Folha quando o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD), enviou dinheiro da cota de parlamentares para obras em Mato Grosso, que é o reduto eleitoral dele.

Então o plano atualmente em discussão é para que, no próximo ano, esses R$ 9,9 bilhões não fiquem mais nos ministérios de Lula, e sim na forma de emendas de liderança.

A diferença é que, ao colocar o carimbo oficial de que a quantia é para emenda parlamentar, a verba fica reservada e garantida para deputados e senadores.

Além disso, uma das ideias é que todo tipo de emenda seja considerada obrigatória. Ou seja, o governo Lula passa a ser forçado a repassar o dinheiro para os projetos apadrinhados pelos parlamentares. Isso também amarra ainda mais a articulação política.

Na prática, isso deixa deputados e senadores menos dependentes de diálogo e de uma boa relação com o governo. Em outras palavras: congressistas se sentiriam menos pressionados a votar de acordo com os desejos de Lula.

Por outro lado, os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e os líderes partidários sairiam ainda mais empoderados nesse novo formato.

Em entrevista à Folha, publicada no dia 17 de setembro, Lira defendeu mudanças nas regras. Ele chegou a sugerir que fossem reforçadas as quantias para outros tipos de emendas já existentes.

Hoje há três nomes diferentes de emendas: a individual (que todo deputado e senador tem direito, independente do partido político), a de bancada estadual (que envia dinheiro para obras escolhidas pelos parlamentares de cada estado) e a de comissão (que é controlada por quem ocupa cada colegiado do Congresso, como a comissão de Desenvolvimento Regional, ou a de Educação).

“Penso que nós temos que evoluir, seja com emendas de bancada obrigatórias, emendas de comissão obrigatórias ou as individuais para que a política pública siga para o que ela se destina. Eu sempre defendi emenda parlamentar e continuarei defendendo, porque ninguém conhece mais o Brasil do que o parlamentar”, declarou Lira.

Nos últimos dias, porém, a proposta de se criar mais um tipo de emenda (a de liderança) ganhou força.

Para integrantes do governo, a opção de colocar ainda mais dinheiro nas emendas de comissão seria muito prejudicial na relação com o Congresso, pois ampliaria muito a disputa entre partidos para ocupar esses colegiados, cuja tarefa é debater projetos de áreas específicas e dialogar com os respectivos ministérios –e não barganhar emendas parlamentares.

Toda nova estrutura de negociação política por meio de emendas está sendo discutida em torno do projeto da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), que traz as regras para formulação do Orçamento de 2024. O texto só deve ser votado no fim do ano.

ENTENDA O QUE MUDA NA NEGOCIAÇÃO DOS R$ 10 BI EM VERBAS

Como era no governo Bolsonaro:

Esse montante era carimbado como emenda
O nome era “emenda de relator”
Cúpula do Congresso enviava ofícios para o Planalto ou ministérios
Governo executava pedidos dos parlamentares
Divisão do dinheiro era feita por Lira, Alcolumbre, Pacheco e líderes
Como é no governo Lula:

Não é formalmente classificada como emenda
É mais oculto do que no governo anterior
Negociações são no boca a boca, portanto, sem ofícios
Planalto promete cumprir acordos com Congresso, mas ministros demoram ou descumprem
Divisão do dinheiro é feita por Lira, Alcolumbre, Pacheco e líderes, mas governo quer aplicar em políticas de Lula
Como pode ficar em 2024:

Volta a ser formalmente emenda
Novo nome pode ser emenda de liderança
Cada partido teria valor proporcional à quantidade de parlamentar
Cúpula do Congresso ainda teria cotas maiores
Deve ser criado um cronograma para liberação de emendas
Outra opção é ampliar as emendas já existentes, como a comissão

Folha