Bolsonaro critica STF por validar a Vaza Jato
O presidente Jair Bolsonaro se mostrou contrário à tentativa do STF (Supremo Tribunal Federal) de validar juridicamente as mensagens de Telegram envolvendo integrantes da operação Lava Jato.
“Se é criminosa é criminosa, ponto final. O que é criminoso é criminoso, respeita a lei. Quebra de sigilo… se seguiu a lei, tudo bem. Não seguiu, tá errado”, afirmou em breve declaração ao deixar o Palácio da Alvorada na manhã desta sexta-feira (4).
Como mostrou reportagem da Folha nesta sexta-feira, a corte vai acionar a PGR (Procuradoria-Geral da República) para buscar a verificar a autenticidade dos arquivos. O movimento deve ser levado à Procuradoria pelo ministro Gilmar Mendes, mas conta com apoio de outros integrantes do STF.
Se a apuração atestar oficialmente a veracidade das mensagens, essas poderão ser usadas em processos com eventuais impactos sobre decisões judiciais e agentes públicos que atuaram na Lava Jato.
As conversas de Telegram, obtidas pelo The Intercept Brasil e divulgadas pelo site e por outros veículos, incluindo a Folha, expuseram a proximidade entre Sergio Moro e procuradores e colocaram em dúvida a imparcialidade, como juiz, do atual ministro da Justiça e a conduta da força-tarefa, incluindo o chefe, Deltan Dallagnol.
A PGR poderá receber o material do STF, que requisitou as mensagens à Polícia Federal, ou da polícia, responsável pela investigação sobre o caso.
A senha para que a corte adotasse uma medida foi dada na quarta-feira (2), no plenário, pelo subprocurador-geral Alcides Martins, designado pelo novo procurador-geral, Augusto Aras, para representar a PGR naquela sessão.
Momentos antes, na sessão, Gilmar criticara os métodos da Lava Jato com base nas mensagens já divulgadas pelo Intercept. O magistrado leu trechos das conversas dos procuradores e apontou indícios de ilegalidades.
“Queria deixar aqui patente a minha preocupação com todas as colocações feitas pelo eminente ministro Gilmar Mendes. Não me cabe fazer nenhum juízo de valor, seja em relação às pessoas, seja em relação às instituições, [aos] atos, à gravidade deles que foi referida”, disse Martins.
“Se me permite, ministro Gilmar, se pudesse encaminhar esses elementos à Procuradoria-Geral para que fossem avaliados por quem é de direito, porque o que referiu é de extrema gravidade.”
Gilmar decidiu enviar ofício à PGR solicitando que a instituição analise indícios de desvios funcionais de membros do Ministério Público citados por ele, o que pode demandar análise das mensagens.
Integrantes da nova composição da PGR têm sinalizado interesse em analisar tecnicamente os arquivos de texto.
Em entrevista à Folha na semana passada, Aras disse que, se validadas, as mensagens poderão servir para embasar eventuais procedimentos no CNMP (Conselho Superior do Ministério Público).
Para ele, porém, as mensagens não têm o condão de anular condenações já impostas.
“Se a verdade real é que o réu A, B ou C cometeu crime, o Estado de Direito impõe a preservação dessas condenações em função dos julgamentos já operados. Os desdobramentos, no que toca aos agentes que abusaram desses poderes, serão objeto de apreciação no CNMP”, disse Aras.
Mas sua avaliação gera controvérsias. Alguns criminalistas, diferentemente de Aras, afirmam que, segundo a jurisprudência, provas (as mensagens) obtidas por meios ilícitos (hackeamento) podem ser usadas para inocentar réus condenados indevidamente, mas não para prejudicar pessoas —os procuradores.
Em julho, a Polícia Federal deflagrou a Operação Spoofing e prendeu quatro suspeitos de envolvimento no hackeamento de contas de Telegram de autoridades, como o ex-juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol.
Com um deles, Walter Delgatti Neto, foram apreendidas as mensagens dos membros da força-tarefa repassadas ao Intercept. Recentemente, mais dois suspeitos foram presos e a polícia tem indícios fortes de que eles participaram das invasões do aplicativo e de sua divulgação.
Quando os primeiros diálogos vieram à tona, em 9 de junho, o Intercept informou que obteve o material de fonte anônima. O pacote inclui mensagens privadas e de grupos da força-tarefa em Curitiba a partir de 2015.
As mensagens já estão sob custódia do Supremo, em dois processos, que são de relatoria dos ministros Alexandre de Moraes e Luiz Fux.
Os magistrados requisitaram o material à Justiça Federal em Brasília, responsável pela apuração do hackeamento, depois que o ministro Sergio Moro telefonou para algumas autoridades dizendo que os arquivos deveriam ser destruídos porque foram obtidos ilegalmente.
Moraes solicitou as mensagens no âmbito do inquérito aberto em março por Toffoli para apurar fake news e ameaças à integridade de membros do tribunal. Além dos arquivos apreendidos, todo o inquérito da PF sobre as invasões do Telegram tem sido remetido ao Supremo e acompanhado por Moraes.
Fux determinou, em 1º de agosto, que as mensagens ficassem sob a guarda do tribunal depois que o PDT ajuizou uma ação pedindo para a corte proibir o descarte.
No último dia 27, Fux oficiou ao diretor-geral da Polícia Federal, delegado Maurício Valeixo, “para que remeta com urgência a este Supremo Tribunal Federal a cópia integral do(s) inquérito(s) contendo o material probatório coligido no âmbito da Operação Spoofing”.
O inquérito da PF, ainda em curso, não analisa o conteúdo das mensagens. A investigação foca apenas as circunstâncias da invasão, para tentar descobrir, por exemplo, se outras pessoas participaram do crime e se houve pagamento pela divulgação do material.
No fim de junho, a Segunda Turma do STF retomou um debate sobre a suposta falta de imparcialidade do então juiz Moro na condução do processo que condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A defesa do petista e os ministros fizeram menção às mensagens que haviam sido divulgadas pelo Intercept até então.
Os magistrados, no entanto, afirmaram que não poderiam considerá-las como provas, naquele momento, porque elas não tinham passado por um exame de autenticidade.
No caso de Deltan, as mensagens indicam que o procurador incentivou colegas em Brasília e Curitiba a investigar os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes sigilosamente.
A legislação brasileira não permite que procuradores de primeira instância, como é o caso dos integrantes da força-tarefa, façam apurações sobre ministros de tribunais superiores.
Moro e Deltan têm repetido que não reconhecem a autenticidade das mensagens, mas que, se verdadeiras, elas não contêm ilegalidades.
Da FSP