Lula renasceu para descongelar a oposição”, diz jornal português
Foto: Rodolfo Buhrer/Reuters
Há um antes e um depois para a oposição no primeiro ano do Governo de Jair Bolsonaro. A 8 de Novembro, o ex-Presidente Lula da Silva saiu do edifício da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, onde tinha entrado mais de um ano antes. Apesar de não estar ilibado e de continuar a pender sobre ele a possibilidade de regressar à prisão, com Lula nas ruas o jogo político no Brasil mudou.
Durante meses os principais problemas para o Governo tinham origem no próprio executivo, nos seus aliados ou no Congresso. Na oposição à esquerda o cenário era de paralisia, agitada por lutas internas e com uma dificuldade permanente em entender-se. Esta situação ficou patente com a crise aberta no Partido Democrático Trabalhista (PDT), quando a deputada Tabata Amaral votou a favor da reforma do sistema de pensões, contrariando a linha do partido.
O líder do PDT, Ciro Gomes, acusou a deputada de traição e pediu a sua expulsão. Tabata, que era considerada uma estrela em ascensão na esquerda brasileira, entrou com um pedido junto do Supremo Tribunal Federal para poder sair do partido sem perder o mandato como deputada.
“Um dos perigos da esquerda é cair no jogo fácil, porque é fácil fazer oposição ao Bolsonaro. Todos os dias ele diz uma besteira”, diz ao PÚBLICO a investigadora do Centro Brasileiro de Análise e Planeamento (Cebrap), Maria Hermínia Tavares. É crucial apresentar visões e propostas alternativas.
Hermínia Tavares diz que há dois desafios para a esquerda. “O primeiro é reconhecer que há limites fiscais para qualquer política economica. O outro é a corrupção”, explica, acrescentando que “não é por acaso que [o ministro da Justiça, Sergio] Moro é a personalidade com mais apoio no país”.
O Partido dos Trabalhadores (PT), com a bancada mais numerosa da Câmara dos Deputados e uma implantação nacional extensa, tem uma responsabilidade acrescida pelo rumo da oposição. Mas a sua história recente continua a criar muitos anticorpos, não só à direita, mas também à esquerda. Ciro Gomes, por exemplo, continua a rejeitar qualquer entendimento com os “petistas”.
Apesar da aparente ausência de uma frente unida, há sinais de um esforço concertado para superar essas barreiras. Segundo a imprensa brasileira, os presidentes dos principais partidos de esquerda têm-se reunido quinzenalmente.
O próprio PT parece estar ainda à procura de uma definição de rumo. Maria Hermínia antecipa um ano de “muitas discussões internas” no partido, especialmente no que respeita às eleições municipais, em Outubro. A política de alianças que for seguida irá mostrar em que estado está a esquerda.
O discurso que Lula proferiu um dia depois de sair da prisão, em São Bernardo do Campo, serviu para marcar o ritmo do que aí vem e que será uma espécie de campanha eleitoral antecipada – ou a campanha de que o ex-Presidente se viu privado em 2018. Lula atacou o Governo de Bolsonaro, insistindo no agravamento das desigualdades, mostrando que quer trazer o debate político para um terreno que lhe é tradicionalmente favorável.
“Neste momento Lula está a jogar esse jogo de ser oposição a Bolsonaro, o pólo oposto. E, para além disso, ele acaba de sair da cadeia, portanto sai com um discurso de confronto”, observa a professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Esther Solano.
Mas mais do que confrontar, o que interessa neste momento ao PT é somar. Se por um lado o discurso de Lula vai no sentido da polarização, no interior do partido trava-se uma discussão sobre a política de alianças. Uma das vozes críticas da estratégia de confronto aberto é a do influente governador da Bahia, Rui Costa, que numa entrevista recente à Folha de São Paulo pediu a “pacificação do país”.
Nas ruas também se tem feito oposição a Bolsonaro. O investigador da Universidade de São Paulo (USP), Pablo Ortellado, diz ao PÚBLICO que aproximadamente 15% da população brasileira participou em alguma manifestação em 2019, o que vem em linha com a mobilização social dos últimos anos. Apesar de ter havido ações a favor do Governo, como marchas de apoio a Moro, a maioria foram mobilizações sectoriais contra políticas específicas, como os cortes na educação, que em Maio trouxe centenas de milhares de pessoas à rua.