Deputados mantêm a velha política bem viva
A Câmara gastou R$ 166 milhões, de fevereiro a dezembro de 2019, em cota para o exercício da atividade parlamentar, conhecida como verba indenizatória. Mesmo com a renovação recorde e a promessa de fazer uma “nova política”, O GLOBO encontrou casos em que o recurso foi destinado a aliados nos estados, além de gastos acima da média com propaganda.
O Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou recentemente um corte nas despesas, criticando especificamente os gastos com divulgação, tendo em vista que o Congresso tem meios próprios para isso, como a TV Câmara. O valor total ainda pode aumentar, uma vez que os parlamentares têm três meses para apresentar as notas. Considerando a inflação, esse é o menor montante para os 11 meses desde o início da série histórica, em 2009.
O deputado Otaci Nascimento (Solidariedade-RR) é um dos que usaram a verba para remunerar aliados. Repassou R$ 90 mil em aluguel e gastos em um posto de combustível a Cynthia Padilha, mulher do presidente da Assembleia Legislativa de Roraima, Jalser Renier (SD). No ano passado, Jalser e Cynthia foram denunciados pelo Ministério Público pelo uso de empresas de fachada para ocultar bens desviados de licitações na Assembleia. Uma delas é o posto.
Prática proibida
Investigadores ouvidos pelo GLOBO dizem que, no endereço alugado por Otaci, funciona um escritório do Solidariedade, e não do deputado. Na porta, uma placa exibe o nome de Jalser Renier. A prática é proibida porque a verba da Câmara deve financiar apenas as atividades do parlamentar, e não de aliados.
“O deputado Jalser é presidente de honra do meu partido, além de ser um grande parceiro político. Por essa razão, fazemos uso do escritório de forma compartilhada”, afirma Otaci, em nota.
A campeã de despesas na Câmara, Jaqueline Cassol (PP-RO), gastou R$ 474 mil no ano, dos quais R$ 217 mil foram destinados à divulgação parlamentar. A deputada explica que pagava uma agência de publicidade em Rondônia para arquitetar sua estratégia digital, além de fazer pagamentos de acordo com a publicação de notícias positivas sobre seu mandato.
— Eu tenho um contrato com uma empresa de Brasília que faz uma análise mensal dos meios de comunicação que mais divulgam minhas ações. Com base nisso, eu remunerava os sites através da agência — afirma.
Ela diz que o valor começou a ficar muito alto — só em setembro, pagou R$ 50 mil à agência. Por isso, a partir de outubro, ela passou a remunerar os sites diretamente, cortando o intermediário.
A remuneração de veículos de comunicação com cota parlamentar é comum na Câmara e no Senado. A Rádio Magia recebeu dinheiro de seis deputados gaúchos, por exemplo. Já o senador Márcio Bittar (MDB-AC) pagou R$ 40 mil ao site AC 24h. Entre senadores, não houve redução no gasto com cota neste ano. O total de 2019 foi R$ 24 milhões, o mesmo do ano passado.
— É divulgação da ação parlamentar. É o site mais acessado do estado. Tenho uma equipe de jornalistas no gabinete que faz as matérias e manda para o site — diz o senador.
O deputado Éder Mauro (PSD-PA) pagou R$ 125 mil para divulgar sua imagem em dezenas de outdoors em Belém em abril, julho e novembro. Ele foi o segundo que mais gastou na Câmara.
— Não tenho mídia televisiva, junto a empresas de TV, rádio. Nosso estado é quase que continental, então todas as minhas práticas de defesa de projetos ou emendas eu divulgo — diz ele, acrescentando: — Uma das táticas mais importantes são os outdoors, que uso não só na capital, como nas cidades menores também.
Quinta na lista dos deputados que mais gastaram a cota parlamentar em 2019, Vanda Milani (Solidariedade-AC) remunerou, em abril passado, o chefe de gabinete da Casa Civil do Acre, Jacob Gomes de Almeida Junior, pela “criação de desenvolvimento de artes, marca de projetos visuais de apoio à divulgação das ações do mandato nos meses de março e abril”. Procurada, a deputada disse não saber explicar os repasses.
Outro caso de deputado que gastou com aliado é Wilson Santiago (PTB-PB). Um montante de R$ 74 mil foi direcionado a uma locadora de carros na Paraíba cujo sócio era secretário parlamentar do próprio deputado na Câmara, o servidor Israel Nunes de Lima.
Leia:Bolsonaro diz que Presidência ‘é um casamento de 4 ou 8 anos. Ou, quem sabe, por mais tempo’
Em dezembro, Wilson e Israel foram denunciados pela Procuradoria-Geral da República pelo crime de corrupção. A acusação diz que Israel transportava propina para o deputado. Wilson Santiago foi procurado por meio de seu advogado, que preferiu não comentar.