Dólar explode e vai a R$ 4,30

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Foto: Roberto Moreyra/Agência O Globo

O dólar abriu a sessão desta sexta-feira em alta, renovando sua máxima recorde histórica acima de R$ 4,30. Dólar nesse patamar tem efeitos na economia. Dos aluguéis à gasolina, do vinho importado ao celular, das dívidas das empresas ao investimento, das contas públicas a viagens internacionais, o dólar influencia o dia a dia do brasileiro, direta ou indiretamente. Pela previsão dos analistas ouvidos pelo Boletim Focus do Banco Central, o dólar não deve custar menos de R$ 4 até 2023.

Os importados são os primeiros a mostrar os efeitos de uma valorização da moeda americana no bolso do consumidor. Segundo o presidente executivo da Associação de Exportadores e Importadores de Alimentos e diretor da importadora Casa Flora, Adilson Carvalhal Júnior, os preços de bebidas, queijos, chocolates e presuntos devem subir entre 6% e 12% este ano, bem acima dos esperados 3,5% de inflação que analistas projetam para 2020. Reajuste que já veio sobre alta de 8% em 2018. No início daquele ano, o dólar ainda custava R$ 3,26, bem mais barato que os R$ 4,20 desta semana.

— Os reajustes devem começar em fevereiro em alimentos e bebidas. O presunto ibérico deve subir mais, em torno 20%, com a peste suína que fez subir o preço internacional do produto. Mas alguns importadores que já tinham a compra feita, com medo de perder vendas, têm limitado os repasses. Houve sacrifício de margem de alguma maneira, sentiu-se impacto menor no fim do ano passado.

Isso fez o consumo mudar. Segundo Carvalhal, a venda de vinhos importados de entrada, aqueles que custam até R$ 30, cresceu um pouco ou ficou estável no fim do ano passado.

— Os produtos mais acessíveis não deixaram de ser consumidos. A expectativa é de melhora com a retomada lenta de renda e do crescimento.

A Fundação Getulio Vargas (FGV) calcula o Índice Geral de Preços do Mercado, o IGP-M, indexador da grande maioria dos contratos de aluguel. É fortemente influenciado pelas oscilações do dólar, ao medir a variação de preços no atacado. Em 2018, quando o dólar começou o ano valendo R$ 3,26 e fechou em R$ 3,87, o IGP-M ficou em 7,55%, muito acima dos 3,75% do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador do IBGE. No ano seguinte, o mesmo movimento, IGP-M fechou o ano de 2019 em 7,31% contra 4,31% do IPCA. Essa distância nas taxas é explicada pela economia estagnada dos últimos anos que obriga o comerciante a comprimir margens e não repassar para os preços finais o gasto maior com as compras externas.

Mas no aluguel, é o IGP-M que vem sendo aplicado. Portanto, a alta anual com influência do dólar costuma ser repassada integralmente ao valor do aluguel, segundo Leonardo Schneider, vice-presidente do Secovi-Rio, que reúne as administradoras de imóveis

— O IGP-M é a principal referência, o indexador mais utilizado nos contratos de aluguel. Nos últimos anos, com o preço da renovação automática se aproximando de uma nova locação no mercado, os proprietários negociam um valor menor, ajustando o reajuste para não ter a perda de renda — afirma André Braz, economista da FGV.

Mas o cenário para os proprietários começa a mudar lentamente, diz Schneider, depois da flexibilização nos anos de PIB fraco. O mercado tem mostrado reação, e os indexadores começam a valer novamente em áreas mais valorizadas como a Zona Sul do Rio. Mas ainda prevalece a negociação.

O reajuste dos aluguéis, de acordo com o IPCA do IBGE, foi de 3,80% no ano passado, acima dos 4,31% da média dos preços. Em 2018, foi de 1,94%, mostrando que a lei da oferta e procura tem prevalecido em relação ao aumento do dólar. Situação que pode mudar nos próximos anos.

Para indústria brasileira, dólar mais caro significa custo mais alto. Principalmente em produtos de alta tecnologia como celulares e outros equipamentos eletrônicos, nos quais a inovação é constante. O Brasil ainda depende muito dos importados para oferecer esse tipo de produto. Segundo Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), 22,3% dos insumos usados na produção industrial brasileira são importados. Eram 24,2% em 2014, ano em que começou a mais grave recessão brasileira. Portanto, alta do dólar afeta diretamente os custos do industrial.

—O impacto é importante para o agregado da indústria, mas no setor de média alta e alta tecnologia, o reflexo é ainda maior. Nesses setores (nos quais estão eletrônicos, linha branca, automóveis e celulares), os insumos representam 41,4% da produção. E não há substitutos internos. São peças que o Brasil não produz e precisa comprar lá fora.

E essa participação vem subindo. Entre 2003 e 2004, era de 26,3%. Dez anos depois já subira para 38,7%.

— Muitos equipamentos são importados também. Dólar mais caro compromete as condições de investimento, principalmente os mais avançados. Também compromete a evolução da produtividade. Dizer que dólar a R$ 4 não é um problema, não é verdade. Qualquer variação gera problemas para um e soluções para outro — afirma Cagnin.

Quem ganha com a valorização cambial são os exportadores. O produto fica mais competitivo lá fora. Mas o mundo não está muito comprador. A Organização Mundial do Comércio (OMC) reduziu as expectativas de crescimento do comércio mundial de 2,6% para 1,2% em 2019 (os dados fechados ainda não saíram) e de 3% para 2,7% este ano.

Guerra comercial entre Estados Unidos e China, tensão no Oriente Médio, o coronavírus que deve frear ainda mais a economia chinesa, um dos principais parceiros comerciais do Brasil, e recessão na Argentina, outro importante parceiro, dificultam o aumento das exportações. No ano passado, mesmo com a alta do dólar, as exportações caíram 7,5%.

José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) minimiza os efeitos da alta da moeda americana. Diz que o custo Brasil (gargalos em logística e sistema tributário complexo) tiram 30% da competitividade brasileira no exterior.

— Na verdade, o exportador está mais preocupado em reduzir custos. Dólar a R$ 4,30 é pontual, é flutuante. O dólar não está eliminando esses 30%. Há um ganho marginal. Com o coronavírus e expectativa de crescimento mundial menor ou até retração preocupa o setor.

Há um outro efeito subjetivo, afirma o professor da PUC Luiz Roberto Cunha. Quando o dólar fica mais caro, a população tem a percepção que a economia está pior, diminuindo a confiança das famílias em consumir. O Brasil tem um histórico repleto de crises cambiais e retração econômica, o que influencia o comportamento do consumidor.

— O dólar continua sendo um sinalizador de que a economia está bem ou mal para uma boa parte da população. Quando o dólar sai de R$ 3 para mais R$ 4 muda a confiança e expectativa das pessoas.

As viagens internacionais naturalmente ficaram mais caras. Nesse item de consumo, o efeito do câmbio é mais que direto. E só fazer a conversão para ver que a viagem ao exterior pode ter de sair dos planos. Tanto que o gasto de brasileiros no exterior caiu US$ 765 milhões em 2019.

O Globo