Bolsonaro vai à TV exaltar cloroquina só pra mostrar alguma atitude
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Em seu quinto pronunciamento em rede nacional de rádio e TV sobre a crise do coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) defendeu nesta quarta-feira (8) o uso da cloroquina para tratar doentes da Covid-19 desde a fase inicial da doença, apesar da falta de consenso científico a respeito.
Num discurso de cerca de cinco minutos, ele retomou o embate com governadores e prefeitos, ao responsabilizá-los pelas medidas de isolamento impostas à população, como o fechamento do comércio e a proibição de outras atividades.
A fala se deu no mesmo dia em que o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), decidiu que governos estaduais e municipais têm autonomia para determinar o recolhimento.
Segundo o magistrado, a União não pode “afastar unilateralmente” as decisões de executivos locais sobre as providências de restrição de circulação que vêm sendo adotadas durante a pandemia do novo coronavírus. Ele esclareceu que as decisões valem “independentemente” de posterior ato do presidente em sentido contrário.
Enquanto discursava, Bolsonaro foi novamente alvo de panelaços em bairros de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Salvador, Recife, Belo Horizonte e Porto Alegre.
No discurso, Bolsonaro se alinhou aos que defendem a cloroquina como solução.
“Instruí meus ministros: após ouvir médicos, pesquisadores e chefes de Estado de outros países, passei a divulgar, nos últimos 40 dias, a possibilidade de tratamento da doença desde sua fase inicial”, declarou o presidente ao se referir ao medicamento, testado e aprovado para o cuidado de pacientes com enfermidades como a malária, mas cuja eficácia contra o novo vírus ainda está em fase de pesquisa.
Bolsonaro disse ter parabenizado o cardiologista Roberto Kalil, que assumiu ter tomado a hidroxicloroquina, com sucesso, para se curar da Covid-19 e que também a ministrou a pacientes.
“Todos estão salvos. [Kalil] Disse mais: que, mesmo sem ter finalizado o protocolo de testes, ministrou o medicamento agora para não se arrepender no futuro. Essa decisão poderá entrar para a história como tendo salvo milhares de vidas no Brasil”, defendeu.
O presidente disse ainda ter conversado com o premiê indiano, Narendra Modi, e acertado o envio de material para que a fabricação do medicamento no Brasil prossiga, com previsão de chegada até o próximo sábado (11). “Receberemos matéria-prima para continuar produzindo a hidroxicloroquina.”
Bolsonaro voltou a jogar sobre os ombros de gestores locais a responsabilidade sobre restrições adotadas na pandemia.
“Respeito a autonomia dos governadores e prefeitos. Muitas medidas, de forma restritiva ou não, são de responsabilidade exclusiva dos mesmos. O governo federal não foi consultado sobre sua amplitude ou duração”, discursou.
Pela primeira vez, Bolsonaro expressou solidariedade com os familiares das vítimas da Covid-19. “Gostaria, antes de mais nada, de me solidarizar com as famílias que perderam seus entes queridos nessa guerra que estamos enfrentando.” Segundo boletim do Ministério da Saúde divulgado nesta quarta-feira, o Brasil registra 800 mortes pela doença.
O presidente novamente equiparou a necessidade de salvar vidas com a de manter empregos.
“Sempre afirmei que tÍnhamos dois problemas a resolver, o vírus e o desemprego, que deveriam ser tratados simultaneamente”, comentou.
“Os mais humildes não podem deixar de se locomover para buscar seu pão de cada dia. As consequências do tratamento não podem ser mais danosas que a própria doença”, continuou, acrescentando que o desemprego leva à fome e também à morte.
O presidente fez um aceno ao seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, com o qual teve sucessivos embates e que cogitou demitir nos últimos dias.
“Tenho certeza de que a grande maioria dos brasileiros quer voltar a trabalhar. Essa sempre foi minha orientação a todos os ministros, observadas as normas do Ministério da Saúde.”
Bolsonaro ressaltou ainda que sua equipe deve trabalhar alinhada com o presidente.
“Nosso objetivo principal sempre foi salvar vidas. Tenho a responsabilidade de decidir sobre as questões do país de forma ampla, usando a equipe de ministros que escolhi para conduzir os destinos da nação. Todos devem estar sintonizados comigo.”
Ao fim de seu pronunciamento, Bolsonaro listou medidas econômicas anunciadas pelo governo para minimizar o impacto da pandemia no país.
A primeira delas foi o pagamento do auxílio de R$ 600 a trabalhadores informais, alvo de críticas pela demora no pagamento, que deve ter início nesta quinta-feira (9).
“A partir de amanhã começaremos a pagar os R$ 600 de auxílio emergencial para apoiar trabalhadores informais, desempregados e microempreeendedores durante três meses. Concedemos também a isenção do pagamento da conta de energia elétrica aos beneficiários da tarifa social por três meses atendendo a mais de 9 milhões de famílias que tenham suas contas de até R$ 150”, disse.
O presidente listou outras medidas, como a linha de financiamento de R$ 60 bilhões da Caixa Econômica Federal para capital de giro para micro, pequenas e médias empresas. Ele ainda comentou medida provisória publicada nesta quarta que autoriza saques de até R$ 1.045 do FGTS.
Em pronunciamento em 24 de março, o presidente foi explícito na defesa do chamado isolamento vertical, restrito a idosos e pessoas com doenças preexistentes.
Já em outro, no dia 31, mudou o tom de seu discurso e pediu um pacto nacional para o enfrentamento à pandemia.
“Agradeço e reafirmo a importância da colaboração e a necessária união de todos num grande pacto pela preservação da vida e dos empregos: Parlamento, Judiciário, governadores, prefeitos e sociedade”, declarou naquele discurso.
Bolsonaro disse no dia 31 que o país enfrenta um grande inimigo. “Estamos diante do maior desafio da nossa geração. Minha preocupação sempre foi salvar vidas.”
No último fim de semana, como mostrou a Folha, os dirigentes do Congresso se recusaram a ter uma conversa com Bolsonaro, incomodados com a postura do presidente. Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, e Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente do Senado, enviaram a Bolsonaro o recado de que a saída de Mandetta dificultaria o diálogo entre Executivo e Legislativo.