Doria diz que negacionistas são “traidores do povo”

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Foto: DANILO M YOSHIOKA/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Em entrevista exclusiva ao UOL, o governador João Doria disse que ainda está continua recebendo ameaças de morte, mas vai continuar defendendo o isolamento durante a pandemia de coronavírus e admitiu adotar medidas mais restritivas caso a população não cumpra a quarentena.

“Eu luto pela vida. Fanáticos negam a doença. São traidores do seu próprio povo e do país”, afirmou em resposta às manifestações do último fim de semana que defenderam a posição do presidente Bolsonaro contra o isolamento social.

Para que os moradores das favelas e da periferia possam ficar em casa, anunciou que o governo distribuirá um milhão de cestas básicas por mês e destinará R$ 42,5 milhões à compra de alimentos para atender os 732 mil alunos em situação de extrema pobreza que ficaram sem a merenda escolar.

Doria não quis fazer uma previsão sobre quanto tempo ainda vai durar o isolamento.

“Hoje meu maior desejo é chegar o dia em que vou poder anunciar o fim do isolamento e a volta da rotina normal”.

Abaixo, as respostas que o governador João Doria me mandou por escrito.

UOL — No último sábado, na avenida Paulista, durante a carreata contra a quarentena, o advogado Marcelo Pegoraro ameaçou o senhor de morte. Que providências tomou?

João Doria — Lamentável! Durante o feriado de Páscoa, época de louvar a vida e o amor ao próximo, este facínora fez um discurso público ameaçando me matar e invadir a minha casa onde vivem minha esposa e filhos. Já abri um processo por ameaça e incitação ao crime.

UOL — Como se sentiu ao ser chamado de comunista por eleitores que votaram na chapa “Bolsodoria”? O que já foi apurado sobre as ameaças que vem recebendo do “gabinete do ódio” pelo celular?

Doria — A respeito das ameaças que sofri, entramos com notícia crime pedindo a abertura que inquérito policial, que já foi instaurado. Os fatos falam por si. De um lado, temos mais de 600 mortos no nosso Estado. A grande maioria da população entende a gravidade da situação e atendeu ao nosso apelo para ficar em casa. Profissionais de saúde estão sacrificando suas vidas. Policiais estão cumprindo o seu dever. Do outro lado, fanáticos negam a doença e passaram a Páscoa rindo em tom de deboche, enquanto praticavam uma dança macabra, com um caixão nos ombros. Eu os considero traidores de seu próprio povo e do nosso país.

UOL — A carreata impediu a passagem de ambulâncias com sirenes ligadas na Paulista. O que o senhor achou da insubordinação da Polícia Militar que assistiu inerte às manifestações?

Doria — É gravíssimo não dar passagem a ambulâncias de maneira premeditada. A Polícia Militar tem tido um comportamento exemplar nesta crise. Além de arriscarem as suas vidas diariamente, exercem atividade essencial na linha de frente do enfrentamento da doença e de conscientização da população. Recentemente, de maneira totalmente espontânea, vários PMs gravaram vídeos para as redes sociais reforçando a importância de permanecer em casa durante este período de quarentena, além de tranquilizar a sociedade em relação ao trabalho de segurança pública que segue acontecendo com eficiência.

UOL — Bolsonaro anunciou no domingo que o vírus já está indo embora e esta semana o senhor lançou nova campanha publicitária para as pessoas ficarem em casa. Mandetta disse que o povo não sabe se deve seguir as orientações do Ministério da Saúde, que defende o isolamento social, ou do presidente, que quer acabar com a quarentena. Assim o povo fica perdido. O que fazer?

Doria — A maioria da população tem consciência da importância de mantermos a quarentena neste momento. Apesar da oposição do presidente à quarentena horizontal e isso gerar uma mensagem dúbia, a palavra dos governadores e do ministro da Saúde tem demonstrado mais credibilidade e mais autoridade do que a do próprio presidente da República, como evidenciaram recentes pesquisas do Datafolha nesse sentido. A Organização Mundial de Saúde recomenda o isolamento social como única maneira de controlar a doença. Mais de 70 países adotaram medidas de isolamento que atingiram 3 bilhões de pessoas.

UOL — Como decidir entre ficar em casa e correr o risco do desemprego ou manter as pessoas trabalhando e correr o risco do disparo de casos da doença, como já está acontecendo? O que o governo paulista está fazendo para que moradores das favelas e da periferia possam ficar em quarentena sem ter renda nem para comprar comida?

Doria — Impossível existir normalidade econômica ao preço da vida de milhares de brasileiros. O governo do Estado de São Paulo vai continuar agindo com base na ciência e na medicina. Eu luto pela vida. O princípio que tem nos tem norteado desde o início é prioridade para salvar e proteger vidas. Como disse o prêmio Nobel de economia Joseph Stiglitz: “A economia será devastada se não salvarmos as pessoas”. Salvar as pessoas significa o firme compromisso de ajudar os mais pobres, aqueles que precisam de alimento e assistência. Conseguimos a suspensão dos cortes de água, luz e gás neste período de crise para os mais pobres. Ampliamos o atendimento dos 59 restaurantes Bom Prato para os finais de semana e feriados, com café da manhã, almoço e jantar. Vamos distribuir 1 milhão de cestas de alimentos por mês a 4 milhões de pessoas. O programa Merenda em Casa, da Secretaria de Educação, vai repassar R$ 40,5 milhões por mês para a compra de alimentos pelas famílias de 732 mil alunos em situação de extrema pobreza da rede estadual. Vamos continuar implantando programas e ações para ajudar os mais necessitados.

UOL — O prefeito Bruno Covas já levou a cama dele para o gabinete. O senhor se sente mais seguro em casa ou no palácio? O que mudou na sua rotina com o coronavírus e as ameaças que vem recebendo dos seguidores do presidente? Qual foi o momento mais difícil no combate à pandemia? Tem dormido quantas horas por dia? Continua tomando o seu coquetel de vitaminas?

Doria — Eu me sinto mais seguro fazendo aquilo que sempre fiz. Cumprindo meu papel como governador de proteger vidas e tomar atitudes corretas para reduzir o impacto da crise na saúde, na economia e na vida dos mais pobres. Do ponto de vista pessoal, não alterei a decisão de continuar residindo na minha casa. Mas ampliei a proteção aos meus filhos e à minha esposa. Recebi inúmeras ameaças e, lamentavelmente, continuo a receber. Sigo dormindo 4 horas por noite, sempre foi a minha média nos últimos 30 anos. E continuo tomando também meu coquetel de vitaminas como faço há mais de 3 décadas.

UOL — O que a pandemia muda no cenário para 2020? Bolsonaro tem condições de disputar a reeleição ou pode não terminar o mandato? O que é mais provável hoje? O senhor participaria de uma frente ampla contra Bolsonaro aliado à esquerda, até com Lula?

Doria — Não penso nisso agora. Não é hora de política e muito menos de eleição. Temos que estar dedicados a um só propósito neste momento: salvar vidas.

UOL — Como está a articulação dos governadores para uma ação conjunta em defesa do isolamento social diante da ofensiva de Bolsonaro para acabar com a quarentena no momneto em que se aproxima a fase mais aguda da pandemia?

Doria — A maioria dos governadores tem agido corretamente e mantido a quarentena e isolamento social, com a suspensão do comércio, das aulas e de serviços não essenciais. Saberemos resistir às pressões e fazer o que é correto para proteger as pessoas.

UOL — O que todo mundo se pergunta hoje é quando poderemos voltar a uma vida normal sem colocar em risco o combate à pandemia. Qual é a sua previsão?

Doria — Não fazemos a quarentena por vontade, fazemos por necessidade. Infelizmente não tenho esta resposta e seria leviano da minha parte dar uma data com precisão. Quem vai nos dizer isso serão os 15 médicos especialistas que formam o Comitê Médico que integra o Centro de Contingência do Covid-19 em São Paulo. Eles acompanham dia a dia o cenário e a evolução da doença no nosso Estado. Hoje meu maior desejo é chegar o dia em que vou poder anunciar o fim do isolamento e a volta da rotina normal.

UOL — Esta semana o senhor não voltou a falar em punição aos que desobedecerem a quarentena. São Paulo ainda corre o risco de um lockdown, o confinamento obrigatório?

Doria — Espero sinceramente que não tenhamos que fazer lockdown. Uma boa parte da população tem respondido de forma positiva. Espero que isso continue. Caso contrário, teremos que tomar medidas mais restritivas, amparadas na recomendação médica.

Uol