O “début” de Victoria

Crônica

A tradição surgiu na Europa, em meados do século XVIII. As meninas da aristocracia francesa que completavam 15 anos eram submetidas a um rito de passagem através do qual eram inseridas “na sociedade”. Esse rito foi chamado de “début” e a adolescente, pois, tornava-se uma “débutante” em um baile em que, ao fim, valsava com o pai.

Como tantos outros aspectos das culturas do Velho Mundo, o baile de debutante foi adotado no país – mais pelas famílias de origem europeia e com meio$ de financiarem uma festa que muitas vezes rivaliza com os casamentos cristãos (sobretudo os católicos) em termos de pompa e circunstância.

A partir do seu “début”, a jovem moça passava a frequentar reuniões sociais, a usar roupas como as das mulheres adultas e tinha permissão (do pai) para namorar.

Os séculos passaram voando e hoje menina nenhuma – ou muito poucas delas – precisa de permissão para namorar. Quando comunicam alguma coisa à família, já denotam um apego incomum a velhos costumes que o tempo vai tratando de sepultar.

Sinal dos tempos à parte, de qualquer forma o aniversário de 15 anos costuma ser um marco na vida das meninas. E, nesse contexto, uma das centenas de milhões de meninas que devem estar chegando agora mesmo à idade de protocolar emancipação social é uma garota que se diferenciará da maioria porque terá, sim, uma festa como a de qualquer outra, mas que, ao mesmo tempo, será bem diferente.

Em vez de usar um belo “vestido de debutante” (rodado, cheio de rendas, sedas e brocados), a minha filha Victoria vestirá roupa de Branca de Neve, penteado de Branca de Neve, porque, ano passado, quando cumpriu 14 anos e terminou de “arrumar” o cabelo do salão de cabeleireiro, todos disseram que ficou parecida com a personagem dos contos infantis.

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Victoria não irá bailar com o pai; a partir de sua cadeirinha de rodas vermelha, seu irmão, André (25 anos), vestido de príncipe, irá tomá-la nos braços e eles bailarão pelo pequeno salão do edifício em que eu, minha mulher e minha quarta filha, ora debutante, residimos há quase vinte anos.

Não será, tampouco, um grande baile, senão uma reunião restrita a familiares e amigos mais chegados.

Mas, sobretudo, a festa será para a Equipe Multidisciplinar de Victoria: dois fisioterapeutas, duas fonoadiólogas, duas terapeutas ocupacionais, uma nutricionista, uma pediatra, uma neuropediatra, a “tripulação” da ambulância (duas moças e um senhor) que se tornou o meio de transporte único de Victoria, um padre católico de uma “Cidade dos Meninos” em que minha filha pratica “equoterapia”…

E devo estar esquecendo alguém.

O rito de passagem de Victoria para uma vida “oficial” de jovem mulher tampouco lhe redundará em permissão para namorar, pois seu pai, mãe, tias e tios, irmão e irmãs, primos, sobrinhas (sim, Victoria tem sobrinhas), cunhados e cunhada, sem falar em toda a equipe multidisciplinar que a atende, somos muito ciumentos.

E, por fim, justifico a festa de minha filha com aquela que talvez seja a maior razão de todas para comemorar. Há quatro anos, um neuropediatra disse à minha mulher, durante uma internação (numa UTI) de Victoria que durou três meses, que a minha filha não sobreviveria por mais do que dois ou três anos.

Passaram-se quatro anos e Victoria vem melhorando mês a mês. Tinha escoliose (deformação da coluna verterbral) pronunciada, que desenvolveu a partir do “estirão da puberdade”, que reduziu-se de 30 graus para 14 nos últimos meses. Os autores da façanha são um xará meu, o Eduardo, fisioterapeuta, bem como a “equoterapia”, do Frei Vilmar. Esses homens operaram em minha filha o que o seu ortopedista chamou de “milagre”.

Por essa razão, meus caros amigos, não me cabe, neste sábado, 12 de outubro, Dia das Crianças, escrever ou sequer pensar em política, economia ou qualquer outro dos temas que interessam à coletividade. Cumpre-me ajudar a preparar a festa, ficar ao lado da família, de minha doce Victoria, minha mocinha que tanto amo e que sei que muitos dos que leem esta página aprenderam a amar à distância, razão pela qual escrevi este relato.

Sendo assim, até segunda-feira, 14 de outubro, meus amigos, quando haverá, como a cada dia dos últimos quase nove anos, um post tratando dos assuntos de interesse público que geraram a criação desta página.

Bom fim de semana a todos.