Ex-governador do Rio é único preso da Lava Jato
De sua cela, o ex-governador Sérgio Cabral já viu entrar e sair da prisão dezenas de empresários e aliados políticos que participaram do esquema de corrupção em sua gestão descoberto pela Operação Lava Jato no Rio de Janeiro.
A pandemia do novo coronavírus intensificou a porta giratória da cadeia, e agora Cabral é, ao lado de seu ex-secretário e braço direito Wilson Carlos, o único alvo da Lava Jato ainda preso.
Há dois meses, o ex-governador teve seu acordo de delação premiada com a Polícia Federal homologado pelo ministro Edson Fachin (STF). O selo de colaborador reacendeu a esperança de Cabral, preso desde novembro de 2016 e com penas que somam mais de 282 anos, para também voltar para casa.
Ele, porém, teve rejeitados três pedidos de soltura com base no novo acordo e no risco da pandemia. As decisões causam frustração, diz o advogado Márcio Delambert, 46, que o representa.
“Se criou quase um personagem que atrai toda essa situação de corrupção. […] É uma imagem que reflete na maneira do juiz analisar a prisão”, afirmou Delambert à Folha. O advogado afirma não haver mais razão para manter Cabral encarcerado.
“Essa visão de que Sérgio Cabral, como colaborador, está do lado oposto da Lava Jato, é equivocada. A colocação dele em liberdade vai prestigiar o trabalho feito pela própria Lava Jato”, afirmou.
Sérgio Cabral é um delator confiável?
Sem dúvida nenhuma. Ele narrou casos antes de ter o acordo homologado que se confirmaram pelas investigações. As novas delações de Eike Batista e outros também vão confirmar.
A que o sr. atribui a resistência ao acordo?
Entrei na causa em janeiro de 2019. Tive uma conversa no Ministério Público Federal aqui [do RJ]. Eles já jogaram para a PGR [Procuradoria Geral da República]. Tive uma única conversa lá. Não sei os motivos que levaram a PGR a não se interessar. Acabou surgindo essa conversa com a Polícia Federal e ela andou.
Como avalia os recursos da PGR para impedir a homologação?
Há como pano de fundo uma questão institucional do Ministério Público com a Polícia Federal, sobre quem pode fechar um acordo. O fato é que o próprio MPF, em Curitiba, e o MP do Rio já utilizaram depoimentos do Cabral para embasar pedidos de condenação e denúncias.
A Lava Jato diz que conseguiria de forma independente as informações que Cabral traz. Tudo o que nós apresentamos foi, na leitura da PF, relevantes e consistentes. O MPF não participou da conversa. Talvez por isso eles fazem esse juízo mais superficial.
Pessoas delatadas dizem que ele cria fatos novos para conseguir um acordo.
Sérgio Cabral está determinado a colaborar. O que as pessoas citadas dizem para se defender é natural. Não temos interesse citar quem não participou diretamente dos fatos. Se a gente colocar o nome de uma pessoa que não participou, rapidamente vai ser percebido e vai fragilizar muito [o acordo].
A defesa esperava conseguir a liberdade após o acordo. Por que ainda não se concretizou?
Causa um pouco de frustração ver os pedidos negados. Para uma pessoa estar presa preventivamente, existem vários requisitos: possibilidade de continuar delinquindo, tentar fugir, ameaçar testemunha. O fato dele ser colaborador é elemento incompatível com a prisão preventiva.
Os fatos que ensejaram as prisões são antigos. Ele está afastado da política desde 2014. Está preso há quase quatro anos. Já devolveu valores. O acordo é mais um elemento que justifica a revogação da prisão preventiva do ex-governador.
Por qual motivo, então, o sr. acha que o Judiciário ainda não revogou as prisões?
O acordo é muito recente. Naturalmente os juízes têm uma certa resistência pela figura do Sérgio Cabral. Se criou quase um personagem que atrai toda essa situação de corrupção. Cabral não é o responsável pela corrupção no Rio. Ele era mais uma peça nessa engrenagem. Não é, nem mais, nem menos, do que qualquer outro agente público corrupto que vem respondendo às ações penais.
Se o acordo tivesse sido fechado com o MPF, certamente ele permaneceria mais alguns anos na prisão. O acordo com a PF, que não pode estabelecer pena, não é uma forma de obter o selo de colaborador driblando o regime fechado que viria num acordo com o MPF? Essa consideração não é uma matemática. A partir do momento que você negocia a quantidade de pena e o regime de cumprimento, em tese iria negociar o tempo na prisão. Mas a partir do momento que não tem essa negociação [com o MPF], você está sujeito a todas as sentenças, a todos os processos em andamento.
Com a PF, posso sim, num primeiro momento, não me sujeitar ao que o MPF entenda como tempo mínimo de prisão. Me dá esse espaço, que é o que estou fazendo agora, de pedir a revogação das prisões. Mas tenho mais trabalho porque continuo tendo toda a discussão processual. Não há suspensão de processos.
Vou continuar brigando para ter um resultado de redução de pena, hoje em mais de 280 anos. Há um universo de condenações que é irreal. Há institutos jurídicos que, em algum momento, toda essa pena vai ser unificada.
Os magistrados que negam a soltura, de certa forma, não tentam evitar essa soltura imediata que o acordo com a PF poderia viabilizar? As decisões que saíram, são muito baseadas em opinião. Não tem uma profundidade técnica para demonstrar concretamente o motivo da necessidade de prisão. Mas não creio que os juízes vão decidir com base em situações que não estão presentes dentro dos autos.
Na medida em que os recursos serão analisados pelos colegiados dos tribunais superiores, essa situação vai se readequando. A regra no nosso país é a pessoa responder em liberdade. O fato de ter muitas condenações não impede isso. O único preso da Lava Jato no país [além do ex-secretário Wilson Carlos] é o Sérgio Cabral.
Esse fato tem uma razão que foge da jurídica?
Tem a imagem do Sérgio Cabral como uma justificativa de que é uma pessoa que centraliza todas as hipóteses de corrupção. Não é uma questão que está dentro do processo. É uma imagem que foi criada na opinião pública, que reflete na maneira do juiz analisar a prisão.
Como ele se sente nessa situação?
A partir do momento que ele decidiu falar a verdade, vem sendo muito transparente. Perceber que as pessoas fazem uma interpretação do que está acontecendo, às vezes sem saber detalhes, gera uma frustração como se ele não tivesse direito nenhum. Essa questão de esconder patrimônio [suspeita do MPF]: tudo já foi devolvido.
Não é natural haver desconfiança sobre alguém que mentiu por tanto tempo como governador e mesmo depois de preso?
Suspeitar de uma pessoa faz parte da natureza de investigadores. Mas uma coisa é a possibilidade. Outra é ter elementos concretos. Argumentamos sempre que a mera afirmação de que ele oculta patrimônio vai contra os fatos: ele já devolveu valores e todas as pessoas que guardavam dinheiro e eram operadores financeiros dele já fizeram colaboração. Essa ocultação já teria aparecido.
A soltura do Sérgio Cabral não seria uma última derrota da Lava Jato, após uma série delas?
Essa visão de que Sérgio Cabral, como colaborador, está do lado oposto da Lava Jato e da Justiça, é equivocada. A colocação dele em liberdade vai prestigiar o trabalho da própria Lava Jato. Ele foi identificado nas investigações do Ministério Público Federal. Mas ninguém pode receber um carimbo de condenado sem ter uma sentença transitada em julgado. Hoje ele está do lado da Justiça.
Ele é um aliado da Lava Jato?
Não tenho nenhuma dúvida disso.
O sr. vê risco pelo coronavírus?
Ele pertence a um grupo vulnerável acima da média. Ele está preso com outras pessoas, dentro de um Complexo prisional de 25 presídios e faz uso de medicamentos para controle de diabetes, ácido úrico, síndrome metabólica e tem 57 anos. Ele teria direito sim a ir à prisão domiciliar para diminuir sua exposição e do próprio sistema.