Sem ministro da Saúde, Bolsonaro pode decretar o caos
Foto: E. Sá/AFP
O maior perigo desta segunda demissão no Ministério da Saúde, no momento em que o Brasil se aproxima de 15 mil mortes pela pandemia da Covid-19 e ameaça chegar a mil mortos por dia, é a obsessão do presidente Bolsonaro de reabrir a economia, substituindo o isolamento horizontal pelo vertical, que nenhum país sério adotou, e ao mesmo tempo forçar o uso da cloroquina como medicamento oficial do sistema de saúde brasileiro.
Seu pronunciamento previsto para amanhã, em rede nacional, pode ser o início de uma crise mais ampla, se confirmar a decisão de anunciar a abertura da economia para o próximo mês.
Como no outro caso, nenhum país adotou a cloroquina depois que estudos avalizados pelas mais importantes academias médicas e centros científicos determinaram que o medicamento tem efeitos colaterais perigosos, como arritmia que pode matar, e pode ser ineficaz no combate à Covid-19.
Essa irresponsabilidade de Bolsonaro – que acha que, por ter sido eleito, tem o direito de decidir de acordo com sua vontade, e não com base científica – marca um governo voluntarista que coloca em risco a população que preside. Ele quer, mas não pode fugir do controle das instituições democráticas que dão os limites ao presidente da República.
Esse voluntarismo está presente, por exemplo, nesse caso da reunião ministerial que é a prova material que pode definir a denúncia contra ele por interferência indevida na Polícia Federal. Ele já disse que poderia ter destruído o vídeo, e não poderia. Estaria cometendo um crime, pois o vídeo é um documento do governo brasileiro que, se quisesse destruí-lo, teria que preencher diversos requerimentos e protocolos e talvez nem pudesse fazê-lo se a decisão fosse tomada apenas com base na sua vontade. Pior ainda se a intenção fosse obstruir a Justiça.
Já disse que “o vídeo é meu”, confundindo, como sempre, o que é do Estado brasileiro e o que é dele, pessoa física. Essa confusão sobre a liturgia do cargo que ocupa é que faz com que se considere apto a exigir de seus ministros da Saúde que aceitem suas opiniões em decisões técnicas.
E é essa mesma obsessão autoritária que faz com que considere normal querer que a Polícia Federal lhe repasse informações “ouvidas atrás da porta”. O exemplo que deu, de pais ouvindo atrás da porta para saber o que os filhos estão fazendo, mostra que o de que ele sente falta mesmo é de informações colhidas fora das normas legais.