Confederação de escolas privadas pede para STF banir crianças deficientes
A pedagogia moderna entende que crianças “deficientes” devem frequentar escolas comuns, evidentemente que contando com infraestrutura especializada. Eis por que o último Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado em 2014, prevê, ainda que de forma algo dúbia, a universalização desse instituto civilizatório.
A Lei nº 13.146, sancionada pela presidência da República no dia 6/7/2015 e publicada no Diário Oficial da União no dia 7/7/2015, veio com o fim de assegurar e promover a inclusão da pessoa com deficiência.
Artigo 1o da lei 13146/2015:
“É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania“
Tragicamente, a busca pelo lucro a todo custo fez com que a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen) recorresse ao Supremo Tribunal Federal contra essa lei por uma razão muito simples de entender.
A lei supracitada determina que escolas privadas não possam recusar alunos com necessidades especiais sob risco de penalização criminal. Além disso, obriga esses estabelecimentos a fornecer toda a infraestrutura necessária a esses alunos, o que, obviamente, implica em mais custos e, portanto, em menores lucros.
A lei em questão começa a viger a partir de janeiro de 2016.
Por conta disso – e visando somente interesses comerciais -, a Confenen foi ao Supremo com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) pretendendo desobrigar as escolas privadas das obrigações impostas pela nova lei.
Além disso, a ADIN da Confenen pede uma liminar para suspender os efeitos do texto legal, de forma que todas as crianças que estiverem em escolas privadas terão ou que pagar pelos “serviços especiais” – tais como “cuidadores”, instalações adequadas e treinamento de professores – ou, simplesmente, terão que ser desligados desses estabelecimentos.
É um horror.
Diante disso, algumas escolas já estão impondo um questionário a ser preenchido pelos pais de seus alunos antes de as matrículas serem aceitas. A medida, ilegal, chegou a ser comentada pela imprensa carioca.
Como se poderia esperar, veículos de comunicação como a revista Veja vêm tratando de combater uma política pública que colocou o Brasil como um dos líderes mundiais em Educação Inclusiva.
A colunista Lya Luft,em artigo publicado na revista Veja (“O ano das criancinhas mortas”, p. 221, edição 2.302), utiliza de sua liberdade de expressão para refletir sobre o direito ao acesso e permanência na educação para as pessoas com deficiência, fazendo parecer, inclusive, que o direito vem sendo exercido apenas por ser politicamente correto.
Ruim mesmo, trágico mesmo, porém, é o texto da ADIN da Confenen. A certa altura, a entidade tenta colocar pais de crianças deficientes contra os pais das crianças “normais”, “alertando-os” para o “custo” a mais que recairá sobre as mensalidades caso a lei passe a vigorar.
“Os dispositivos impugnados violam, ainda, o princípio da razoabilidade extraído do preceito constitucional insculpido no artigo 5º, inciso LIV da CF porquanto: obrigam à escola comum, regular, pública ou privada, não especializada e despreparada para a incumbência de receber todo e qualquer portador de necessidade especial, de qualquer natureza, grau ou profundidade; prometem ao portador de necessidade especial uma inclusão social com eficiência, tratamento e resultado, de que carecer cada um que a escola regular, comum, não conseguirá propiciar; jogam ônus dos sobrecustos para a escola particular e para todos seus demais alunos, alterando injustamente o orçamento familiar, com verdadeira expropriação; frustram e desequilibram emocionalmente professores e pessoal da escola comum, regular, por não possuírem a capacitação e especialização para lidar com todo e qualquer portador de necessidade e a inumerável variação de cada deficiência; causarão o desemprego e o fechamento de escolas particulares; lançam sobre a iniciativa privada encargos e custos de responsabilidade exclusiva dos poderes públicos”.
Os argumentos da Confenen também são falaciosos no sentido de que colocam as escolas privadas como incapazes de cumprir a lei, quando o cumprimento desta depende, exclusivamente, de investimentos.
O relator dessa peça triste no STF é o ministro Edson Facchin. A ele, a ASSOCIAÇÃO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE DEFESA DOS DIREITOS DOS IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA – AMPID, dirigiu a defesa do texto legal que a Confenen tenta derrubar.
A peça é um horror – quem quiser, pode ler no link destacado no parágrafo anterior. Os termos que usa, aliás, tratam as crianças deficientes de uma forma inaceitável. Em um ponto do texto, a Confenen usa expressão quase inacreditável:
“Lembre-se ainda que educação não se confunde com adestramento coletivo“
“Adestramento”?! É assim que essa entidade enxerga o tratamento que a lei impõe que dê a crianças especiais?! Isso já não é nem mais preconceito, é bestialidade mesmo…
O fato, porém, é que a Confenen, mesmo exercendo seu direito de recorrer à Justiça, por vias transversas está incentivando a violação da lei, conforme sua reprodução a seguir:
Art. 8º Constitui crime punível com reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa:
I – recusar, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa, a inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, por motivos derivados da deficiência que porta;
…Vide Lei nº 13.146, de 2015:
Art. 98. A Lei no 7.853, de 24 de outubro de 1989, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 8o Constitui crime punível com reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa:
I – recusar, cobrar valores adicionais, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, em razão de sua deficiência;
A ADIN da Confenen Impõe a pessoas com deficiência normas diferenciadas e ônus pela condição, ônus para a humanidade e violação de preceitos fundamentais. Enseja uma grave violação aos Direitos Humanos a toda a sociedade ao tratar pessoas com necessidades especiais como fardos para a sociedade, gerando “razão” para preconceitos, expondo as crianças que já estudam em escolas comuns, inclusive, a bullying.
A reação jurídica à iniciativa da Confenen conta com o apoio das Apaes e até da OAB. O que essa entidade de classe está fazendo atenta contra os direitos fundamentais da pessoa, contra o Estado de Direito e contra o próprio direito do deficiente de meramente existir socialmente, condenando à segregação e à invisibilidade que tanto mal já causou àqueles que constituem-se os mais fracos entre os fracos.
O tema Educação Inclusiva é extremamente extenso. O caso em questão, idem. Se o Blog fosse abordar a questão na sua integralidade, produziria um post cansativo que, muito provavelmente, muitos não teriam paciência e/ou tempo para ler.
Desse modo, esta matéria constitui a primeira de outras que voltarão ao tema.
Há uma bela, porém longa entrevista com Claudia Grabois, advogada da AMPID na ADI 5357, presidente da Comissão de Direitos das Pessoas com Deficiência do IBDFAM e membro da Comissão de Direito a Educação e Direito de Família da OABRJ
A advogada Claudia, ao lado da jornalista Meire Cavalcante, que já apareceu neste Blog em artigos sobre Educação Inclusiva, vem lutando com destemor contra o preconceito e, inclusive, está à frente na reação judicial aos desatinos da Confenen.
Concluo esta matéria, pois, pedindo aos leitores que se posicionem a favor de uma medida civilizatória como é a Educação Inclusiva e contra os arroubos mercantilistas dessa entidade que, de modo preocupante, está à frente dos estabelecimentos privados de ensino.
Estamos falando sobre seres humanos, pessoas que compõe a diversidade humana e que integram o imenso “quebra-cabeça” da humanidade. Não se trata de politicamente correto: pessoas com deficiência existem, são gente! Pessoas com deficiência têm direitos humanos!
Apoie essa luta. Para fazê-lo, basta divulgar a reação à postura inaceitável da Confenen, posicionando-se a favor da Inclusão quando surgir oportunidade para tanto.
Concluo relatando ao leitor uma situação que mostra que nenhum de nós sabe quando poderá adentrar – ou ser conduzido – ao mundo das pessoas com necessidades especiais, um mundo “invisível” que depende de sua visibilidade para que seus habitantes possam se integrar à sociedade a que pertencem.
Até 1998, este blogueiro tinha três filhos já grandinhos. Todos “perfeitos”, sem qualquer deficiência. Eis que me vem a quarta filha com “paralisia cerebral”, conduzindo-me a uma realidade que poucos conhecem, mas que todos estão sujeitos a vivenciar. Ninguém deve se considerar livre de depender da solidariedade e da generosidade alheia.
Ninguém está pedindo dinheiro, ninguém está pedindo trabalho a quem quiser apoiar essa causa. Só o que se pede é um minuto de seu tempo para divulgar o material que você acaba de ler e, sempre que puder, defender essa medida civilizatória que é a Educação Inclusiva. Milhões de brasileiros “deficientes” contam com você.