Caça a pichadores é presente de Doria a crime organizado
Prezados (as) leitores (as),
em 2017 o Blog da Cidadania evoluirá. A partir daqui, o Blog passa a contar com uma equipe que vai tornar este espaço muito mais interessante. Parte das novidades é a chegada do advogado João Victor Chaves, militante dos direitos humanos. A seguir, a primeira reportagem dele no Blog da Cidadania.
Eduardo Guimarães
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Caça a pichadores é presente de Doria a crime organizado
Por João Victor Chaves
Masmorras medievais, casas de horrores, depósitos de gente. Essas foram algumas das expressões utilizadas pelo ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, para qualificar as condições das penitenciárias brasileiras.
Não por acaso, organizações criminosas ocupam, a seu modo, o vácuo deixado pelo Estado e fornecem alguma espécie de proteção, orientação e ocupação aos seus membros.
Incontáveis fatores contribuem para o recrudescimento desse quadro, e alguns deles serão aqui abordados.
Levantamento realizado pelo Departamento Penitenciário Nacional estima a população carcerária brasileira em mais de 600 mil pessoas, número ainda mais expressivo se levado em consideração o fato de cerca de 40% ainda aguardarem julgamento em primeira instância.
A lei 11.343/2006, que trata de entorpecentes, é apontada por alguns como uma das principais responsáveis pelo expressivo aumento da população carcerária nos últimos anos. Há grande parcela de subjetividade no texto da lei, o que abre margem para que aspectos de ordem econômica, cultural e social, enraizados na sociedade brasileira, tenham peso relevante no discernimento de muitos dos encarregados por distinguir usuários de traficantes.
Vale ressaltar ainda, que a atuação do crime, atualmente, não está limitada ao perímetro das penitenciárias. Em algumas comunidades carentes, o crime chega a oferecer algum tipo de assistência social aos moradores.
O peso político dessas organizações tem sido ignorado pelo Poder Público há décadas, seja por cálculo político ou por qualquer outra razão que ignoramos. Não é exagerado dizer que o crime organizado coexiste em situação de harmonia com a administração pública em muitos casos.
A irresponsabilidade de gestores que, para satisfazer a sanha punitiva da opinião pública, deixam de investir na área social para oferecer a cabeça de pequenos malfeitores ao eleitorado, tem custado caro ao brasileiro. E vai custar cada vez mais caro.
As cadeias são conhecidas como verdadeiras “escolas do crime”, em que detidos por pequenos delitos se tornam aprendizes dos grandes tubarões do crime organizado.
Essa política serve ao crime, mas serve também a políticos, policiais, agentes carcerários, membros do Poder Judiciário e toda sorte de agentes públicos que, por qualquer razão, estejam interessados em alimentar os tentáculos do crime.
Nesse contexto, o governo do Estado de São Paulo foi responsável por exportar membros da principal facção criminosa do país, inadvertidamente, a outros estados. Aliado a isso, se encarregou de sucatear a qualidade de serviços públicos acessíveis à população de baixa renda.
O crime organizado agradece.
O governador do Estado, que está em seu quarto mandato e aspira à Presidência da República, patrocinou a candidatura de um aventureiro à prefeitura do maior município do país, a fim de manter sob sua influência mais um grande orçamento. O resultado dessa gestão poderá vir a se mostrar desastroso.
O prefeito João Doria Júnior, que demonstra não possuir grande familiaridade com as normas do Direito público, tem cometido uma série de arbitrariedades no afã de satisfazer seus anseios publicitários. Uma delas está no combate desproporcional às pichações, crime considerado de pequeno potencial ofensivo, conforme a nossa legislação.
Outro aspecto de relevo que tem sido negligenciado reside no excessivo custo econômico, social e humano de operações repressivas. Políticos conservadores como Temer, Alckmin e Doria, entretanto, preferem promover medidas caras e que não atacam as verdadeiras causas dos problemas.
Nos Estados Unidos é justificável essa postura, pois eles têm dinheiro de sobra para pagar pela demagogia inócua. Não é o nosso caso. Um gestor público que oferece recompensas a quem capturar infratores de pequeno potencial ofensivo, oferece ao crime organizado novas opções de recrutamento, ou seja, jovens pichadores encarcerados.
A esse respeito, o grafiteiro Manulo, do coletivo Arte e Cultura na Kebrada, em reunião no espaço Ação Educativa, apresentou à reportagem do Blog da Cidadania as suas impressões sobre a situação.
João Victor Chaves, 30, é advogado formado pela faculdade Mackenzie e militante pelos direitos humanos