Ministro da Saúde dá carona a parentes em avião da FAB
O ministro Marcelo Queiroga (Saúde) levou sua esposa e seus filhos, além de parentes de outras autoridades, em pelo menos 20 voos oficiais feitos com aeronaves da FAB (Força Aérea Brasileira).
Os dados foram extraídos de registros de 68 voos do Ministério da Saúde de 25 de março a 8 de agosto, obtidos pela Folha por Lei de Acesso à Informação. Todos estes deslocamentos serviram para agendas oficiais de Queiroga, que assumiu o cargo em 23 de março.
A médica Simone Queiroga acompanhou o ministro, seu marido, em 11 destes trajetos. Em duas ocasiões o destino foi João Pessoa, onde o casal tem residência.
O ministério não quis informar se os parentes de Queiroga e de outras autoridades participaram das agendas ou por qual razão usaram as aeronaves da FAB. A pasta disse apenas que o ministro tem liberdade para preencher as vagas ociosas nas aeronaves.
Outros três filhos do ministro também estiveram em 8 voos diferentes. O advogado Marcelo Antônio Cartaxo Filho, por exemplo, voou ao lado do pai, no mesmo dia, de Brasília para São Paulo, depois ao Rio e retornou à capital federal.
O estudante Antônio Cristóvão Araújo fez viagens de ida e volta de Brasília para Maceió em 1º de julho. No dia seguinte, viajou para Porto Alegre com o pai em voo da FAB.
Já a médica Daniela Araújo acompanhou Queiroga em viagem do Rio de Janeiro para Brasília em 3 de agosto. Ela voltou à capital carioca no dia 7 do mesmo mês.
Adriana de Souza Leão Coelho esteve com o marido, o senador Fernando Bezerra (MDB-PE), em voo do Ministério da Saúde de Petrolina (PE) para a capital, Recife.
Esposa de Gilson Machado (Turismo), a médica Sarita Pessoa usou aeronave da FAB para seguir de Brasília para João Pessoa. O deslocamento também era para agenda de Queiroga.
O Ministério do Turismo disse que a presença da esposa do ministro no voo “está em acordo” com decreto que regulamenta o uso das aeronaves por autoridades. Procurada, a assessoria do senador Bezerra não se manifestou.
Poucos dias antes de assumir o Palácio do Planalto, o presidente Bolsonaro distribuiu uma cartilha com normas e procedimentos éticos. No capítulo sobre voos oficiais, o documento afirmava que somente o ministro e a equipe que o acompanha no compromisso podem utilizar as aeronaves.
Em março de 2020, Bolsonaro também mudou decreto sobre uso das aeronaves oficiais para, em tese, tornar as regras mais rígidas.
A medida foi tomada após exoneração de José Vicente Santini do cargo de secretário-executivo da Casa Civil por usar voo oficial para ir da Suíça à Índia, onde encontraria Bolsonaro. O mesmo trajeto havia sido feito em voos comerciais por ministros.
Na ocasião, Bolsonaro chamou de inadmissível e imoral o uso do voo oficial, mas Santini voltou ao governo meses mais tarde. No mês passado, Santini se tornou secretário Nacional de Justiça.
Apesar do ato pontual para responder, Bolsonaro também usou voos pagos com dinheiro público para dar carona a parentes.
Em maio de 2019 um helicóptero da Presidência da República levou convidados para o casamento do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), no Rio de Janeiro. O governo alegou “razões de segurança” para autorizar o voo e Bolsonaro chamou de “idiota” pergunta sobre o deslocamento.
Em 2019, a Folha revelou que a mulher do então ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, pegou carona para passar férias em Paris, na França, onde o chanceler participaria de encontro da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
A esposa de Ernesto, que foi e voltou com a aeronave oficial, ficou em Paris como turista, sem pagar passagem e compartilhando o quarto com o marido. A hospedagem foi custeada pelo governo, uma vez que Ernesto estava em missão oficial.
Bolsonaro chegou a considerar “nada de mais” que uma autoridade do Poder Executivo conceda carona em uma aeronave da FAB após o caso do chanceler.
“Se um avião presidencial nosso vai para algum lugar a serviço, não vejo nada de mais levar alguém no avião. Não vejo nada de mais nisso aí. Agora, se está errado, se tiver alguma norma dizendo o contrário, eu vou conversar com ele”, disse o presidente em setembro de 2019.
O decreto publicado após o voo de Santini, em março de 2020, afirma que a comitiva que acompanha a autoridade na aeronave “terá estrita ligação com a agenda a ser cumprida, exceto nos casos de emergência médica ou de segurança”.
Questionado sobre esse ponto do decreto, o Ministério Saúde apenas mencionou outro artigo do mesmo texto que abre margem para dar a carona até para quem não relação alguma com a agenda.
“Ficarão a cargo da autoridade solicitante os critérios de preenchimento das vagas remanescentes na aeronave, quando existirem vagas disponíveis além daquelas ocupadas pelas autoridades que compartilharem o voo e por suas comitivas”, afirma o trecho citado pela pasta.
Bolsonaro ainda usou recentemente voos da FAB para trazer para perto aliados políticos.
O presidente de Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, veio ao Brasil em agosto para visita oficial. O deslocamento foi feito em avião da Força Aérea.
Em resposta via Lei de Acesso à Informação, o Ministério da Defesa disse que o governo brasileiro pagou US$ 3,6 mil (cerca de R$ 19 mil) em diárias e taxas alfandegárias e aeroportuárias para buscar Embaló.
A pasta alegou sigilo e não informou valor de manutenção, gasolina e outros custos envolvidos no deslocamento.
Em 9 de setembro Bolsonaro mandou um jato da FAB a São Paulo para buscar o ex-presidente Michel Temer (MDB). Juntos, já em Brasília, eles escreveram a nota de recuo para esfriar ações de raiz golpistas e desdobramentos das manifestações de 7 de Setembro.
O uso das aeronaves para caronas a parentes e outras pessoas sem relação com agendas dos ministros não foi inaugurado no governo Bolsonaro. A Folha mostou, em 2017, que ministros de Temer levaram parentes, amigos e lobistas nas aeronaves da FAB.
Em 2015 a então presidente Dilma Rousseff (PT) impediu voos de ministros em jatos da FAB para voltar para casa. Anos antes, como mostrou a Folha, Fernando Haddad, então ministro da Educação, fez 129 deslocamentos de Brasília a São Paulo com familiares.
Folha de SP